Ministra diz que exumar os restos mortais de Jango “também é exumar a ditadura”

17/09/2013 - 18h14

Thais Leitão
Repórter da Agência Brasil

Brasília - "Exumar João Goulart é também exumar a ditadura e saber as perversidades que ela fez", disse hoje (17) a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, ao participar da abertura da primeira reunião técnica com a equipe de peritos responsável pelo procedimento. Integram o grupo profissionais brasileiros, argentinos e uruguaios, além de um cubano, conforme pedido da família do ex-presidente.

A exumação faz parte de uma investigação para esclarecer se a morte de João Goulart, conhecido popularmente como Jango, foi em decorrência de ataque cardíaco, como divulgado à época pelas autoridades do regime militar. A família suspeita que ele tenha sido assassinado.

Os peritos internacionais e integrantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha auxiliarão nos trabalhos com experiência adquirida em processos semelhantes ocorridos em países vizinhos, como as exumações dos restos mortais do ex-presidente chileno Salvador Allende e do poeta Pablo Neruda.

No encontro de hoje, que ocorreu a porta fechadas, não foi definida a data em que será feita a exumação. A expectativa é que ocorra até o fim do ano. No dia 16 de outubro haverá nova reunião, na sede da Polícia Federal, em Brasília, para definir um protocolo único de ação dos peritos.

Durante a abertura do evento, Maria do Rosário destacou que a exumação integra processo de pesquisa histórica sobre a Operação Condor, montada pelas ditaduras do Brasil, Argentina e Uruguai para perseguir opositores.

Maria do Rosário enfatizou que João Goulart foi o único presidente brasileiro a morrer no exílio, tendo sido perseguido durante todo o período em que esteve fora do país pela ditadura militar. Ela garantiu que, após serem periciados, na capital federal, os restos mortais retornarão ao município gaúcho de São Borja.

"A ideia é que ele saia de São Borja, venha para Brasília para ser periciado neste prédio da Polícia Federal e depois volte a São Borja. As amostras serão analisadas, em primeiro lugar, com excelência técnica, pelo governo brasileiro, com os peritos da Argentina, do Uruguai e de Cuba, como a família sugeriu, com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que participa conosco, mas que depois essas amostras também estejam em laboratórios internacionais, mesmo procedimento utilizado com o poeta Pablo Neruda e com Salvador Allende, no Chile", disse.

Mesmo sem garantir que o corpo de João Goulart será recebido em Brasília com honras de chefe de Estado, a ministra disse que o governo trabalha com a "ideia e a responsabilidade de quem lida com um presidente da República que não recebeu as honras devidas no momento da sua morte".

"Sem dúvida, estamos trabalhando com esse objetivo, mas existem procedimentos que estão sendo observados. São trabalhos paralelos que estão sendo feitos", acrescentou.

De acordo com a Polícia Federal, o caixão deverá ser aberto em Brasília, onde serão feitos, no prédio da instituição, exames de DNA e toxicológicos. O chefe da Divisão de Perícias da PF, Amaury de Souza Junior, disse que se trata de uma investigação tecnicamente difícil, e ressaltou que as autoridades não têm ideia do estado em que os restos serão encontrados.

"Não resta dúvida de que é uma investigação tecnicamente difícil, porque tendo sido o corpo enterrado há 37 anos, pode haver dificuldades técnicas. Não temos ideia [do que será possível esclarecer a partir da exumação] porque as condições podem variar muito. Podemos ter um corpo razoavelmente íntegro, um caixão razoavelmente íntegro ou apenas restos ósseos", disse. No mês passado, uma equipe de peritos, coordenados por Amaury de Souza Junior, foi até São Borja fazer o reconhecimento e análise técnica do local, em uma etapa preparatória para garantir a retirada do caixão com segurança.

O prefeito de São Borja, Farelo Almeida, disse que a expectativa da população e das autoridades locais é que os restos mortais do ex-presidente retornem ao município antes do aniversário de morte de João Goulart, em 6 de dezembro. Ele ressaltou que, ante a garantia do governo de que os restos mortais serão devolvidos à cidade, a população, que estava apreensiva, tranquilizou-se.

João Vicente Goulart, filho do ex-presidente e que também participou da reunião técnica de hoje, disse que a exumação é um passo importante, mas ressaltou que ela representa apenas um dos meios para se chegar à verdade.

"Os outros, que a gente ainda espera que o governo brasileiro proceda, são a oitiva dos agentes americanos que participaram da Operação Condor e a exigência para que o governo americano libere os documentos relacionados ainda classificados [como sigilosos]", disse.

João Goulart presidiu o Brasil de 7 de setembro de 1961 a 1º de abril de 1964, quando foi deposto em um golpe militar. Ele morreu no exílio em 6 de setembro de 1976, em Mercedes, cidade do Norte da Argentina. As investigações conduzidas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontam que o ex-presidente foi mais uma vítima da Operação Condor.

Em 2007, os parentes entraram com um pedido para que o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul abrisse investigação sobre o assunto. Em 2011, o pedido foi estendido à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da SDH e este ano à CNV, que vai coordenar o processo.

Edição: Davi Oliveira

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a Licença Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil. É necessário apenas dar crédito à Agência Brasil