Gilberto Costa
Correspondente da Agência Brasil / EBC
Lisboa – O livro Desigualdades Sociais e Práticas de Ação Coletiva na Europa, recentemente lançado em Portugal, faz ligação entre o desenvolvimento socioeconômico e institucional dos países europeus, a qualidade de vida da população e a mobilização política da sociedade.
O autor da publicação, Nuno Nunes, pesquisador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, também avalia o acesso a recursos materiais e culturais, e as relações de classe e de gênero para revelar que na Europa “às desigualdades sociais equivalem distanciamentos e desigualdades políticas”.
As desigualdades sociais tendem a aumentar com a atual crise econômica global, que afeta especialmente o sul da Europa. A seguir entrevista do cientista social concedida à Agência Brasil.
Agência Brasil – De acordo com seu livro, os países mais desenvolvidos (do Norte da Europa) são os mais avançados em ação coletiva. Há relação de causa e efeito nisso? Qual é a causa?
Nuno Nunes – As razões para os países do Norte da Europa revelarem maior adesão a práticas de ação coletiva, comparando com outros países e regiões na Europa, devem-se aos seus níveis de confiança interpessoal e institucional, de desenvolvimento humano, menor desigualdade de gênero e escolarização elevada. Na esfera do trabalho, dimensão central para compreender a ação coletiva, os cidadãos da Europa do Norte são mais sindicalizados e sentem-se menos precários. As classes sociais sentem-se mais próximas da política.
ABr – Das desigualdades nos países da Europa analisadas no seu livro, qual considera mais importante?
Nuno Nunes – As desigualdades sociais são multidimensionais nas suas causas e efeitos, acabando todas as suas manifestações por condicionarem fortemente a cidadania. As desigualdades de classes, as desigualdades de gênero, as desigualdades econômicas e de rendimento, as desigualdades de desenvolvimento humano, a nova desigualdade digital, os mecanismos condicionadores da democracia nos locais de trabalho e no espaço público da política, são fatores integrados que concorrem para uma menor ação coletiva.
ABr – Os dados secundários analisados são até 2008. Depois disso, a crise econômica se instalou na Europa. A crise afeta a ação coletiva?
Nuno Nunes – A crise econômica está reconfigurando as dinâmicas da ação coletiva na Europa. A evolução da situação econômica, política e social e os respetivos posicionamentos das organizações, governos e instituições nacionais e supranacionais, provocaram respostas diferenciadas de país para país, mas que, no essencial, fizeram reemergir a importância da mobilização social enquanto instrumento democrático ao dispor dos cidadãos e das suas instituições e organizações representativas. A crise econômica também acabou por revelar que a matriz filosófico-social da igualdade e da justiça social continuam a ser valores fundamentais das sociedades contemporâneas.
ABr – O senhor avalia que depois de 2008, a desigualdade aumentou na Europa? E a pobreza?
Nuno Nunes – Os relatórios internacionais indicam um aumento das desigualdades de rendimento na Europa. São sobretudo importantes os mais recentes relatórios da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] bem como o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2013 [da Organização das Nações Unidas] – que constitui um precioso instrumento para avaliarmos a desigualdade social no mundo. Atualmente, 120 milhões de europeus estão em risco de pobreza ou de exclusão social, 50 milhões vivem em agregados domésticos onde ninguém trabalha e 40 milhões de pessoas sofrem de severas privações materiais.
ABr – Portugal nos últimos anos fez quatro greves gerais e em algum momento levou mais de um milhão de pessoas para protestar nas ruas. Isso fez o governo recuar em medidas de austeridade e aumento de tributação. Considera que o seu país tem se mobilizado dentro da classificação de ação coletiva que fez no livro?
Nuno Nunes – A investigação sociológica que culminou no livro desenvolveu sobretudo uma análise estrutural e cultural da ação coletiva à escala europeia, comparando os diferentes países mas, simultaneamente, observando um conjunto de regularidades sociológicas que caracterizam o espaço europeu como um todo. A atual ação coletiva na sociedade portuguesa resiste perante a elevada desigualdade social, a herança duradoura dos menores recursos educativos e a reduzida confiança que os cidadãos depositam uns nos outros e nas suas instituições.
ABr – Como o senhor vê as mobilizações que ocorrem no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo?
Nuno Nunes – A informação que recebi não é suficiente para que possa contribuir para a clarificação sociológica sobre as recentes mobilizações verificadas no Brasil. Mas ao longo da história da humanidade diversos foram os meios encontrados pelas sociedades para superarem as suas desigualdades sociais, ocupando a ação coletiva um lugar de destaque no ensejo por novas conquistas sociais. Os recentes acontecimentos no Brasil decorrem da sua atual fase de desenvolvimento, perante desafios que hoje são simultaneamente globais, regionais e locais. Tais desafios de desenvolvimento confrontam-se perante desigualdades de classes sobre as quais o Estado e as suas políticas públicas podem ou não se revelarem eficazes.
Edição: Denise Griesinger
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