Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Brasília – No início de março, Vanessa*, de 16 anos, caminhava, de madrugada, pelo Setor Comercial Sul do Plano Piloto com mais três colegas. Todos menores de idade e moradores de rua como a jovem - que diz ter abandonado a mãe, usuária de drogas, e os sete irmãos (dois deles, também viciados) por causa da difícil convivência em casa e do próprio vício em crack. Droga que experimentou aos 14 anos, oferecida por uma vizinha.
Apesar de ficar em plena região central da capital federal, a cerca de 2 quilômetros do Congresso Nacional, à noite, o Setor Comercial fica quase deserto, tomado apenas por traficantes e prostitutas. De acordo com Vanessa, foi ali que ela e os colegas foram abordados por dois policiais que estavam em uma viatura.
“Os policiais revistaram os meninos e não encontraram nada. Então, eles disseram que iam me levar para uma policial feminina me revistar. Eu pedi para os meninos não deixarem eles me levarem, mas eles não podiam fazer nada”, contou Vanessa à Agência Brasil.
Segundo a jovem, a viatura seguiu até o final da Asa Sul e parou em um matagal, próximo a uma faculdade. Vanessa conta que ali os dois militares desceram da viatura e a retiraram do veículo, ordenando que ela tirasse toda a roupa.
“Eles também tiraram a roupa e abusaram de mim. Depois me levaram de volta para o Setor Comercial Sul. Os meninos ainda estavam lá perto, me esperando, porque sabiam o que ia acontecer. E eu só chorava”, contou a jovem, que diz conhecer os dois militares. “Eles já tinham me segurado antes, mas não tinham abusado de mim. Só tomaram meu dinheiro. Só que desta [última] vez eu não tinha dinheiro e aí eles abusaram de mim.”
Inicialmente, Vanessa não quis contar a ninguém o que tinha acontecido. “Fiquei com medo. E também não gostava de lembrar o que tinha acontecido. É muito difícil ficar lembrando o que aconteceu. Dói demais.” Depois, encorajada por educadores sociais, decidiu registrar um boletim de ocorrência, segundo ela, na 5ª Delegacia de Polícia, e se submeter a exame de corpo de delito.
“Os policiais prometeram investigar. Disseram que a história não iria vazar e que eu não preciso me preocupar, mas estou com medo. Eu espero ser protegida e que a Justiça seja feita. Que estes dois policiais sejam afastados para que eles não continuem a fazer a mesma coisa. Se deixar eles lá, a mesma coisa que fizeram comigo, eles vão fazer com muitas outras.”
Hoje, Vanessa está protegida, abrigada junto com outra jovem, Sabrina*, de 16 anos, que também afirma ter sido vítima de policiais militares. Sabrina, contudo, diz que os policiais não chegaram a abusar sexualmente dela.
“Eu estava vendendo droga. Os policiais vieram, me pegaram e me bateram. E isso não aconteceu nem uma, nem duas vezes. Numa das vezes, eles me algemaram, me botaram dentro da viatura e me levaram para um lugar muito distante. Entraram comigo dentro de um matagal e me mandaram tirar a roupa. Me bateram e, depois, me largaram lá”, diz a jovem.
Procurada desde a última quinta-feira (29) para comentar o assunto, a Secretaria de Segurança Pública ainda não se manifestou. O corregedor da Polícia Militar, coronel Francisco Carlos da Silva Niño, disse que, desde pelo menos 2008, a corporação recebe semelhantes denúncias, e que, apesar das dificuldades, procura apurar todas elas. Procurada pela reportagem da Agência Brasil no final da tarde de hoje (2), a assessoria da PM informou que o comando da corporação analisaria as informações antes de se manifestar.
Em um vídeo produzido pela vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Erika Kokay (PT-DF), vários outros jovens dão depoimentos idênticos ao das duas jovens entrevistas pela Agência Brasil, com o aval de educadores sociais.
*Os nomes das duas jovens são fictícios
Edição: Nádia Franco