Estudos indicam que nível social e raça influenciam processos na Justiça

23/11/2008 - 0h57

Pedro Peduzzi
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O acesso à Justiça nem sempre é igual para todos, como também os resultados obtidos com os processos. Vários estudos demonstram que raça e nível social podem influenciar esses processos e, em muitos casos, implicar dificuldades para que práticas racistas sejam punidas pelo Judiciário.ORelatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007/2008, elaborado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, analisou o andamento de 85 casos de racismo e discriminaçãoracial em 13 Tribunais de Justiça do país – DistritoFederal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso doSul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio deJaneiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Segundoo documento, entre janeiro de 2005 e dezembro de 2006, 40% dos processos deacusação por prática racista tiveram os méritosconsiderados improcedentes pelos juízes na primeira instância. Segundo análise do Laboratóriode Análises Econômicas, Históricas, Sociais eEstatísticas das Relações Raciais (Laeser), responsável pelo relatório, isso significa que as vítimas ganharam mais do que perderam quando os processos ainda eram de primeiro grau. Mas, à medida que a tramitação do processo avança, a situação se inverte. A pesquisa mostrou que na segunda instância, durante a análise das decisõesdos desembargadores, os réusdas ações por crime de racismo passaram a levarvantagem, alterando as decisões de primeiro grau, até então vencidas namaioria das vezes pelas vítimas.Aotodo, 57,7% dos réus acusados deracismo ganharam as ações na segunda instância e em 32,9% dos casos as vítimas foram vencedoras.Por saberem que o desfecho dos processos geralmente ocorre na segunda instância,três pesquisadores do Núcleo Direito e Democracia doCentro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) estudarama aplicação da legislação nacional decombate ao racismo e à discriminação racial peloTribunal de Justiça de São Paulo, entre 1998 e 2005.O trabalho AEsfera Pública e as Proteções LegaisAnti-Racismo no Brasil apontou que, durante o período, apenas quatro casos foram caracterizadosdefinitivamente como injúria racial. O que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a inexistência de condenações por crime de racismo.“Apesar dacriminalização das práticas de racismo e dainjúria racial, a quase totalidade dos estudos sobre o temaindica um número baixíssimo de condenaçõespor parte do Judiciário nacional. Nossa pesquisa confirmouesses dados naquilo que se refere ao tribunal de São Paulo”,explica Felipe Silva, um dos autores do trabalho.Estudos feitos pelo Centro de Estudos dasRelações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) demonstram que não é de hoje que o Judiciáriobrasileiro trata de forma inadequada a questão do racismo. Aspesquisas avaliaram processos ligados a situações de racismo entre 1951 e 1988 e entre 1988 e1996.“Aprimeira abrangeu o período da Lei Afonso Arinos, quefoi até 1988. Nesse período muitopoucas condenações foram capturadas. Ao todo, foramapenas quatro ao longo de quatro décadas, nos estados de Minas Gerais,Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A partir da Constituição de 1988, período analisado pela segunda pesquisa, o racismo ganhou status de crime imprescritível einafiançável", explica o diretor executivo do Ceert, HédioSilva. De acordo com ele, a segunda pesquisa constatou um número ligeiramente maior que o da primeira, “masainda pequeno para as dimensões do país”. Foram cercade 200 processos julgados em segunda instância pelos tribunais,“com número razoável de condenações”,explica Silva, doutorem Direito e ex-secretário de Justiça de SãoPaulo entre 2005 e 2006.Hédio adiantou que o centro está finalizando uma terceira pesquisa,avaliando dados no âmbito dos tribunais brasileiros, que deverá ser concluída noprimeiro trimestre de 2009. “Emboranão tenhamos ainda condições de chegar a umaconclusão definitiva, é possível perceber quecresce significativamente o número de ações quenão só visam ao encarceramento e à puniçãodo discriminador, mas a indenização por dano moral ematerial, inclusive resultando em condenações vultosasem dinheiro”.A pesquisadorado Núcleo de Estudo da Violência da Universidade de SãoPaulo (USP), Jacqueline Sinhoretto, desenvolveu a pesquisa Racismo,Criminalidade Violenta e Justiça Penal: Réus Brancos eNegros em Perspectiva Comparativa, juntamente com o professor SérgioAdorno. “A pesquisa compara crimes idênticos cometidos pornegros e brancos em 1990, considerando o tratamento e osresultados”, explica.“Adiferença está principalmente no acesso àJustiça. A maioria dos brancosteve advogados pagos (60,5%), e a maior parte dos negrosdependia da assistência jurídica proporcionada pelo Estado (62%), com advogados geralmente sobrecarregados e semcondições de se aprofundar no caso”, avaliaJacqueline.Segundoa pesquisadora, o número maior de testemunhas apresentadaspelos brancos demonstra desempenho mais qualificado da defesa. “Acoisa está ligada principalmente à classe social. Mastemos de lembrar que classe social e raça sãocategorias historicamente muito ligadas no Brasil”, argumenta.Em outro estudo resultante de um parceria entre FundaçãoSistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e o InstitutoBrasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), a pesquisadora comparouo número de indiciados, de acusados, processados e dos que tiveramsentenças finais de prisão nos crimes de roubo,considerando o gênero e a raça no estado de São Paulo entre 1999 e 2000.“Identificamosuma mudança de proporção à medida que asações progrediam. Na fase inicial, o número deindiciados brancos (54,8%) era maior do que o de negros (43,9%).Essas linhas se aproximaram significativamente, alterando aproporção, quando os números analisados sereferiam à execução penal masculina (51,8% paraos brancos e 47,2% para os negros)” .De acordo com  Jaqueline, adiferença foi ainda maior entre o público feminino. Casos deindiciadas brancas, que inicialmente somavam 55,9% do total, baixaram para 46% na etapade execução penal. Já o das negras subiu de42,9% (indiciadas) para 51,3% (execução penal).