Danilo Macedo
Enviado especial à África do Sul
Pretória - Resiliência é a propriedade que alguns materiais têm de voltar à forma original depois que cessa a tensão a que foram submetidos. Nas pessoas, representa a capacidade de, após momentos de adversidade, se adaptar, ou até mesmo evoluir após a experiência. Essa foi uma das palavras mais usadas pelas pessoas que discursaram durante o funeral do maior líder da África negra, como forma de descrevê-lo, em sua luta contra o apartheid e as desigualdades. Mandela dizia que a luta era sua vida, e ele lutou, sobretudo, por um mundo melhor.
Em 1944, com 26 anos, criou com outros amigos a Liga Juvenil do Congresso Nacional Africano (CNA), partido pelo qual se tornaria presidente do pais cinco décadas depois. Lançaram o manifesto Um Homem, Um Voto, no qual mostravam que 2 milhões de brancos dominavam 8 milhões de negros. Em um regime que considerava o negro uma sub-raça, sem direitos e que deve ser reprimida, Mandela abriu, em 1952, em sociedade com Oliver Tambo, um escritório de advocacia.
Já considerado uma liderança, Mandela e o CNA tiveram o princípio da não violência como norteador de sua luta até 21 de março de 1960, hoje reconhecido pela ONU como Dia Internacional contra a Discriminação Racial, quando aconteceu o Massacre de Sharperville. Cerca de 5 mil negros protestavam pacificamente contra a Lei do Passe, que os obrigava a andar com uma caderneta que informava os lugares que poderiam frequentar.
De repente, quando se aproximaram de uma delegacia onde estavam cerca de 70 policiais, antes de qualquer alerta das autoridades, começaram a ser atingidos por tiros de metralhadora. Mais de 60 morreram, a maioria com tiros nas costas, enquanto tentavam fugir, e pelo menos 200 ficaram feridos, incluindo mulheres e crianças. A partir daí, Mandela e o partido decidiram que, apenas pela via pacífica não seria possível mudar a situação grave de segregação do país e buscaram treinamento militar.
Apesar de já ter sido preso antes por sua luta, a mudança de postura leva Mandela a ser condenado à prisão perpétua em 1964. Em defesa própria, falou por quatro horas durante o julgamento. A conclusão dele é usada como uma das principais mensagens do ex-presidente: "Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer".
A partir de então, Mandela ficou 27 anos preso, muitos deles em uma cela de 2,5 metros por 2,1 metros com uma pequena janela de 30 centímetros de largura, na prisão da Robben Island. Durante a reclusão, percebeu que seria importante aprender o africâner, a língua dos brancos. Mesmo na cadeia, se tornou conhecido internacionalmente como símbolo da luta contra o regime segregacionista.
Em meados da década de 1980, o regime busca diálogo com Mandela, que recusa a liberdade condicionada ao exílio. Com o aumento da pressão internacional, e com o próprio comando do regime vendo em Mandela um interlocutor na negociação com o CNA, aquele que veio a se tornar, posteriormente, o maior líder do século 20, na opinião de vários especialistas, foi finalmente solto em 11 de fevereiro de 1990.
Apesar de lhe terem tirado 27 anos de contato com sua família e com seu país, os discursos de Mandela ao sair da prisão eram mais conciliadores e menos inflamados. Apesar de decepcionar, de início, os setores mais radicais do CNA, a mudança foi fundamental para a refundação do país, quando foi eleito presidente, em 1993, sem domínio de brancos sobre negros, nem o contrário. "Nossa marcha para a liberdade é irreversível. Não devemos permitir que o medo fique em nosso caminho", disse após ser libertado.
Mandela, que se incomodava com a imagem de santo com que tentavam lhe qualificar, ensinou o dom da resiliência ao seu povo, fundamental para uma democracia consistente na África do Sul. Seu governo buscou reconciliar oprimidos e opressores. Como ele mesmo dizia, "ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou o seu passado, ou sua religião. As pessoas aprendem a odiar, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto".
Com toda a experiência de vida que teve em 95 anos, encerrada no dia 5 de dezembro, Mandela não pode ser considerado um santo. Alguns o chamam de "heroi de carne e osso". O dia de seu nascimento, 18 de julho, foi decretado pela ONU, em 2009, o Dia Internacional Nelson Mandela, com o objetivo de valorizar a luta pela liberdade, justiça e democracia.
Edição: Fernando Fraga
Todo o conteúdo deste site está publicado sob a Licença Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil. É necessário apenas dar crédito à Agência Brasil