Interrogatórios sob tortura ainda são práticas recorrentes no país, diz pesquisadora

16/08/2013 - 21h02

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – A Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo ouviu hoje (16) a pesquisadora Mariana Joffily, professora de história da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Ela falou sobre a criação e o funcionamento da Operação Bandeirante (Oban) em São Paulo. A Oban deu origem ao Destacamento de Operações de Informações (DOI), órgão da repressão instalado pela ditadura militar em várias cidades do país.

Em sua apresentação à Comissão da Verdade, a pesquisadora disse que a tortura, muito utilizada durante a ditadura nos interrogatórios de presos políticos, tanto na Oban como no DOI, é ainda uma prática recorrente nos dias de hoje. Para Mariana, a sociedade brasileira tem uma relação bastante “curiosa” com a tortura. “É uma relação curiosa porque ao mesmo que não se tem um discurso positivo que valide ou defenda a tortura como um método de investigação, tem uma prática muito clara, corrente e sistemática no uso da tortura para obtenção de informações e como instrumento de poder ainda hoje [usado] na sociedade democrática”, disse.

Durante a pesquisa que fez para escrever o livro No Centro da Engrenagem. Os Interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo (1969-1975), que será lançado amanhã (17), em São Paulo, consultando os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e do projeto Brasil: Nunca Mais, a professora disse ter encontrado documentos que possibilitaram estimar que cerca de 1,5 mil pessoas foram interrogadas tanto na Oban como no DOI.

Mas os números, segundo ela, são baseados no que encontrou no acervo e podem não refletir tudo o que ocorreu dentro dessas estruturas de repressão. “É muito difícil fazer essa contabilidade. Acabou que todos os esforços de reconhecimento do que foi a repressão política no Brasil se concentraram muito – e por razões muito justificáveis – nas mortes e desaparecimentos. Mas a contabilização das torturas é algo muito mais difícil porque não há registro disso. Espero que as comissões da Verdade consigam mapear esse fenômeno da tortura política e saber quantos foram interrogados”, ressaltou.

Mariana também estimou que tanto no DOI-Codi como na Oban, nas estruturas instaladas em São Paulo, cerca de 60 pessoas morreram no período. “Mas é uma estimativa bastante conservadora porque tinha os sítios clandestinos de tortura e desaparecimento. Mas é o que foi possível apurar”, explicou.

A Operação Bandeirante, um órgão repressivo de São Paulo, foi criado oficialmente em julho de 1969 e reunia representantes tanto das Forças Armadas como das diversas forças policiais. A missão do órgão era, segundo documentos encontrados pela professora, “identificar, localizar e capturar os integrantes dos grupos subversivos que atuavam na área do 2º Exército, particularmente em São Paulo, com a finalidade de destruir ou pelo menos neutralizar as organizações a que pertenciam”. A Oban, que não era institucionalizada, era financiada por empresários paulistas e até por políticos.

Como o modelo paulista da Oban foi visto com sucesso, acabou dando origem ao DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), que foi institucionalizado pelo Estado e passou a existir em várias cidades do país. “Essa [a Oban] foi uma operação piloto. Em 1970, chegou-se à conclusão de que essa especialização no combate ao crime político, essa centralização e essa coordenação dos esforços no combate a esse tipo de crime foi muito eficiente e que, portanto, era necessário criar isso para o país. Então, foram criados vários DOI-Codis, alguns já em 1970, para perseguir militantes políticos de esquerda e de movimentos sociais”, declarou.

Segundo Mariana, o Codi atuava como órgão de planejamento e o DOI na área da ação, responsável pela captura dos presos políticos e pelos interrogatórios. “No caso clássico, o DOI era que fazia a captura ou, se o Dops fazia a captura, encaminhava para o DOI. O DOI fazia os interrogatórios, trabalhando dia e noite, e quando eles achavam que o detido havia falado tudo, devolviam para o Dops. No Dops, a prisão era oficialmente comunicada e faziam um novo interrogatório. Quando as declarações no Dops não coincidiam com as do DOI, ou a pessoa era forçada a dar uma versão coerente ou retornava ao DOI, onde era novamente torturada”, disse.

“Essas estruturas são, a meu ver, os cernes da ditadura militar, o centro da engrenagem. A ditadura militar foi bem mais do que a repressão política, mas de torturas e assassinatos. A atuação desses órgãos foi muito importante porque foi ali que a ditadura militar exerceu seu poder de maneira mais direta, violenta e evidente sobre a oposição política”, declarou.

 

Edição: Aécio Amado

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