Leandra Felipe
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Toríbio, Cauca (Colômbia) - Em meio ao processo de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo, o recrutamento de crianças continua em regiões em que o conflito está ativo. Em Toribio, departamento de Cauca e considerada zona vermelha, crianças são recrutadas pelas Farc. O Caminhos da Reportagem, programa da TV Brasil, conheceu alguns adolescentes que foram recrutados pelas Farc e histórias de famílias que, para fugir do recrutamento, tiveram que abandonar a região.
O procurador da cidade, Juan Carlos Chamorro, conta que o recrutamento pode ser forçado ou espontâneo, quando a guerrilha consegue convencer o adolescente. Existem diferentes fatores: a curiosidade das crianças, a obrigatoriedade, e, fundamentalmente, por que as Farc têm presença efetiva aqui”, explica.
A prefeitura do município calcula que só nos últimos dez anos, mais de 200 crianças de Toribio tenham sido recrutadas. Com 95% da população indígena, integrante da etnia Nasa, os garotos que comprovadamente estejam envolvidos podem responder criminalmente.
Na Colômbia, as comunidades indígenas têm autonomia jurídica e podem julgar e condenar pessoas que façam parte de seu grupo. O governo do país acata as condenações. Jorge e German (nomes fictícios) são dois meninos nasas de 14 anos. Eles estão detidos na sede da associação indígena sob acusação de terem assassinado outro menino indígena da mesma idade.
Eles foram condenados a 20 e dez anos de detenção e serão conduzidos ao Instituto Colombiano de Bem-Estar Social. Foram julgados pelo assassinato do adolescente John. Os três eram amigos. Segundo o inquérito, Jorge fazia parte das Farc. Ele diz que já não era da guerrilha e que participou de treinamentos por pouco tempo.
“As Farc tinham me prometido uma moto e que eu ia trabalhar e ganhar dinheiro. Eu queria ajudar minha mãe e fui. Mas cheguei lá e vi que era mentira”, contou o garoto. Jorge disse que o amigo assassinado também tinha vínculos com a guerrilha, embora a associação indígena não comprove a informação. Jorge e John buscaram um fuzil das Farc que estava escondido perto de um rio.
Juntos, eles foram mostrar a arma a German que não fazia parte do grupo. A ideia era convencer o amigo. German pegou a arma e sem querer disparou contra John e o matou. “Eu cometi um erro. Não queria matar ninguém e não sabia mexer no fuzil”, reconheceu visivelmente amedrontado.
Tanto ele quanto Jorge dizem ter medo do que poderá acontecer com eles e com a família deles. “Tenho medo que me matem ou que matem minha família”. Na cidade há informações de que a guerrilha pode cobrar de volta o fuzil que foi retirado do esconderijo e o valor da “multa” poderia ser superior a US$ 7 mil.
O coordenador jurídico dos nasas na cidade, Leonardo Escue, admite que os garotos não tinham capacidade de entender o significado de fazer parte de um grupo armado e que, depois de terem cumprido parte da pena, o “castigo” poderá ser revisado. “Segundo as normas do direito colombiano, eles são vítimas do conflito armado. Mas são vítimas que vitimam, ainda que não compreendam a ilicitude deste comportamento. Mas, como organização, como autoridade, nós temos que defender a vida sem importar quem seja, criança, adulto, militar ou guerrilheiro”, pondera Escue.
Outra senhora, que preferiu não se identificar, teve que sair de Toribio para evitar que seus dois filhos fossem levados pelas Farc. O garoto tinha 12 anos quando ela deixou a cidade e só voltou quatro anos depois. “Os milicianos [guerrilheiros que atuam dentro da cidade, sem uniformes] ganhavam recompensas por criança levada. Eles ganhavam quase R$ 250 por uma [criança]”, conta. A camponesa diz que os milicianos tentavam conquistar os meninos dizendo que era bom estar na guerrilha. “Nessa época eu tinha dívidas e sou mãe de família. Meu filho aceitou ir porque queria me ajudar. Tive que tirá-lo de dentro do carro, quando ele já ia ser levado”, lamenta.
A pesquisadora e analista política, Natalia Springer, estima que, nos últimos quatro anos, 18 mil crianças tenham sido recrutadas. A metade por grupos criminosos comuns, como as bacrims, e a outra parte pelas Farc e pelo Exército de Libertação Nacional (ELN). “Os meninos e meninas não vão para a guerra porque querem ir e, sim, porque a dinâmica é tão poderosa que os arrasta. Há muitas variáveis que contribuem para isso, como a fome, o analfabetismo, a falta de inserção escolar”, pontua Springer.
A pesquisadora destaca que não há punição para o recrutamento. “A impunidade é completa e observamos a falta de ação da Justiça para defender os direitos das crianças e levar os responsáveis a julgamento.
Edição: Marcos Chagas
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