Nádia Faggiani e Gilberto Costa
Repórteres da EBC
Brasília e Lisboa - “Estudar um poema não é resumir em prosa”. A frase é de Teresa Rita Lopes professora catedrática de Literaturas Comparadas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que por cultivar tanto a sensibilidade ao estudar versos, também virou poetisa, escritora e dramaturga.
Teresa é apontada por quem trabalha com o espólio literário de Fernando Pessoa como uma das principais responsáveis pela garantia de permanência do acervo do autor lisboeta em terras portuguesas. Há décadas, ela se dedica a montar a coleção de quebra-cabeças que possam ajudar a entender a obra de um autor e das sombras projetadas pelos seus heterônimos.
A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu à Agência Brasil após um encontro acadêmico sobre mais uma revista literária que organizava onde incluiu novas análises sobre a obra de Fernando Pessoa.
Agência Brasil - Há quem diga que o Fernando Pessoa é mais querido no Brasil do que em Portugal. Essa imagem é correta?
Teresa Rita Lopes - Isso é uma velhíssima questão. Os brasileiros pretendem, e eu gosto que pretendam porque me comporto como cidadã da pátria da língua portuguesa. Essa ideia de que os brasileiros descobriram primeiro o Fernando Pessoa é um bocado verdadeira. Descobrir é amar. A ideia é complexa porque Portugal é um país pequenino e o português também é diferente do brasileiro: é um indivíduo complicado, é aquele novelo enrolado para dentro que o Álvaro de Campos dizia que o Pessoa era.
ABr - Mas Pessoa é popular aqui, é ensinado nas escolas...
Rita Lopes - Há muito pouca gente a ler os poetas, os criadores literários. As pessoas ouvem falar, mas não os conhecem. Nas escolas, as vezes limita-se a vacinar as pessoas contra aquele autor. Estudar um poema não é resumir em prosa. A poesia sempre foi mal dada nas escolas. Só pode gostar de poesia quem tem o hábito e o convívio com poesia, o que a escola não dá. Há sempre poucas pessoas a gostar de arte em geral e de literatura em particular.
ABr - Foram publicados recentemente, em Portugal, cinco poemas inéditos de Pessoa. Há mais coisa a ser revelada?
Rita Lopes - Eu conheço muito bem o espólio [literário]. Frequentei o espólio quando ainda estava na casa da família. Tudo que há de poemas do Pessoa já foi editado. Pode haver um verso solto, mas os poemas já estão fixados. O que ainda há [a ser descoberto] é prosa. O Pessoa escrevia no mesmo dia, e as vezes na mesma folha, vários textos diferentes. Há exemplos de quatro ou cinco coisas diferentes escritas na mesma folha. Pessoa não escrevia livros como normalmente se escreve: todo dia aquele tricô. Não. Ele fazia ao mesmo tempo um cachecol, uma camisa, umas luvas. Tinha muitos projetos ao mesmo tempo. Nós que estudamos temos que pesquisar as 27 mil e tal páginas de documentos para tentar refazer os conjuntos. Isso é que é difícil. Também é difícil ler o que deixou manuscrito. Quando escrevia para mandar uma colaboração para um jornal, fazia uma letra magnífica. Mas não era assim quando estava a exprimir-se e não estava a escrever para ninguém. Além disso, temos que refazer não apenas um puzzle [quebra-cabeças], mas variadíssimos puzzles. Há um Pessoa no domínio da filosofia, da política, da religião.
ABr - Além dos documentos do espólio, há outros documentos?
Rita Lopes - Ainda há pouco soubemos que a família em vez de ter entregue tudo à Biblioteca Nacional [de Portugal], como pensávamos, ficou com muita coisa em seu poder. O que aparece de vez em quando são papeis soltos que a família guardou e que vendem em leilões. Dizem que não tem importância, mas no Pessoa qualquer papelinho é um peça dos tais puzzles.
ABr - São de fato apenas quatro heterônimos?
Rita Lopes - Ele dizia que heterônimos eram só três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos. O resto eram personalidades literárias. Para mim, o Pessoa tem muito mais do que três sombras. Eu contei todos os nomes através dos quais ele assinou textos literários e cheguei até 72. Não digo que são heterônimos. Heterônimos são os tais três que ele disse que eram. O número não tem a ver com a quantidade de material que produziram, mas com a independência que adquiriram. Imagine um homem que projeta 72 sombras, pode ser mais, e dessas todas só três soltam dos pés do homem que produziu aquelas sombras. Ele dizia: 'o Bernardo Soares tem meu estilo'. Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, só esses três, é que tem vida própria, personalidade e estilo. Eles aperfeiçoam Pessoa. Como diz o ditado três é número que Deus fez; três formam a Santíssima Trindade. Três tem um simbolismo remete para a ideia de unidade. A religião católica aproveitou isso. Pessoa não era católico, era profundamente religioso mas não tinha propriamente uma fé nisto ou naquilo. Um problema para ele era o que existiria depois da morte, as pessoas que tem uma fé tem isso respondido. Ele não. Ele fazia perguntas e acreditava que existia alguma coisa além do que se vê.
Edição: Marcos Chagas
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