Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil
Brasília – Depois de um mês visitando unidades prisionais de duas das principais cidades do Rio Grande do Norte para avaliar as condições do sistema carcerário, os dois juízes responsáveis por coordenar o mutirão – encerrado hoje (3), concluíram que o estado precisa construir, urgentemente, novas e adequadas unidades prisionais para solucionar o problema da superlotação.
No relatório que vão encaminhar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os juízes Esmar Custódio Filho e Renato Magalhães também deverão recomendar a contratação de mais agentes carcerários; o aumento da estrutura das defensorias públicas e a reforma das unidades prisionais já existentes, como forma de reforçar a segurança e de garantir as condições mínimas de salubridade aos presos, entre outras recomendações.
Responsável por coordenar o grupo que inspecionou as unidades prisionais e os processos criminais existentes nas varas de Natal, Custódio Filho disse à Agência Brasil que há um déficit de 2,5 mil vagas para abrigar os atuais 6,5 mil detentos da capital e de Mossoró. Além de apontar a superlotação, Custódio Filho comentou que as instalações existentes são precárias, com toda a sorte de problemas estruturais.
“Há unidades com até três vezes mais presos que a capacidade”, disse o juiz, citando o caso da Cadeia Pública de Natal. De acordo com ele, embora tenha capacidade para 174 presos, ela abriga cerca de 400 pessoas. “Essa situação é comum a todas as unidades prisionais do estado e desencadeia uma série de eventos, como as fugas. Nos últimos dois anos e meio, 425 presos fugiram [em todo o estado], um dado que demonstra a ineficiência da segurança. Não sabemos quantos foram recuperados, porque o sistema informatizado de controle de presos é falho, quase inexistente, e se já é difícil saber quem está preso, que dirá quem fugiu”.
Durante os 30 dias que durou o mutirão, foram analisados 6.478 processos. Desses, 4.584 envolviam presos já condenados. Os outros 1.894 diziam respeito a acusados detidos em caráter provisório. A averiguação dos trâmites processuais resultou na concessão de 610 benefícios como extinção de pena, livramento condicional, relaxamento de flagrantes, revisão de prisões preventivas, indultos, entre outros. Todos os processos foram atualizados e aqueles em que não cabiam benefícios, seguirão o trâmite processual normal.
Para Custódio Filho, a quantidade de benefícios concedidos não é “assustadora”, não sendo possível afirmar que a superlotação carcerária esteja associada à lentidão ou ineficiência da Justiça. “Há sim uma certa demora no julgamento dos presos provisórios, o que contribui para que os presos permaneçam por mais tempo nas unidades. Isso acontece por falta de juízes e de servidores. Mas a principal causa da superlotação é a falta de investimento do Poder Executivo no sistema penitenciário”. Um concurso público para a contratação de novos juízes está em andamento. Além disso, uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte promete levar equipes de juízes e funcionários da Justiça às comarcas onde haja mais processos para serem julgados.
Cerca de 45 unidades prisionais foram inspecionadas, entre penitenciárias, presídios, centros de Detenção Provisória (CDPs), cadeias públicas, unidades de regime semiaberto e delegacias de polícia. Sobre os CDPs, o juiz Renato Magalhães afirmou, durante entrevista coletiva concedida hoje em Natal, que os centros de detenção provisória existentes no estado não poderiam ser classificados desta forma, já que não passam de delegacias adaptadas para abrigar presos. Procurado pela reportagem, o governo do Rio Grande do Norte ainda não se manifestou sobre o relatório.
O juiz Custódio Filho destacou que uma das situações mais preocupantes foi verificada na Penitenciária de Alcaçuz, a maior do estado. “Ela está em uma situação muito complicada. Tanto em relação à superpopulação, quanto às condições gerais em que os presos se encontram. O esgoto corre a céu aberto pelo pátio onde os preso fazem o banho de sol. Há ratos e lixo por toda a parte. As celas estão todas quebradas. Só nos últimos sete anos foram registradas ao menos 17 mortes extremamente violentas, inclusive com o uso de arma de fogo, algo incompreensível dentro de uma unidade prisional. Mais de uma vítima teve a cabeça decepada. Outro foi estripado e as vísceras espalhadas. Eu vi essas fotos. São cenas de horror inacreditáveis”, acrescentou o juiz, garantindo que, em dois desses casos, não houve qualquer investigação. “Não há nem um boletim de ocorrência”.
Edição: Denise Griesinger
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