Leandra Felipe
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Bogotá - No exterior, longe da família, dos projetos profissionais e acadêmicos, brasileiras descobriram no trabalho voluntário uma fonte de realização pessoal e de integração. Elas fazem parte da organização não governamental (ONG) Fundação Grupo Aquarela Bogotá e apoiam cinco instituições colombianas que atendem a cerca de 200 crianças e adolescentes de baixa renda e/ou portadoras de câncer.
O trabalho é totalmente filantrópico. As associadas do Aquarela atuam nas instituições com atividades direcionadas à faixa etária das crianças de cada instituição. Na Fundação Ayuda por Colômbia, visitada pela Agência Brasil, as crianças recebem as voluntárias com alegria e com pedidos música para bailar (dançar).
As voluntárias desenvolvem vários projetos, como cursos de fotografia, horta comunitária, oficinas de informática. de culinária e artesanato. E, além da dedicação do tempo das voluntárias, as instituições assistidas recebem mensalmente aporte financeiro da Fundação Aquarela e a doação mensal de 400 a 600 litros de leite.
A diretora da Ayuda por Colômbia, Fabiola Cortes, disse à Agência Brasil que a ajuda em dinheiro é importante, mas o que faz a diferença é o tempo que as brasileiras dedicam às crianças. "Nós contamos com esse dinheiro todo mês, e o Aquarela nunca deixou de contribuir, desde que se comprometeu conosco, com a parte financeira e com o leite. Mas o que tem maior valor para nós é o amor que elas trazem para as crianças", conta Fabiola.
Segundo ela, o dia de visita das mujeres brasileñas, como as crianças chamam o grupo, é esperado com muita ansiedade. "Elas vêm aqui e passam a manhã com eles: brincam, pulam, fazem festa, contam histórias. Isso marca as crianças, que vêm de famílias desestruturadas e que enfrentam uma realidade bastante difícil fora daqui", diz.
Camilo Rodríguez tem 7 anos e espera ansioso pela chegada das "amigas brasileiras". Com o violão, elas cantam em espanhol Se tu és feliz a bailar!! Se tu es feliz a abraçar!. "Eu gosto delas porque vêm nos visitar sempre e são divertidas", conta Camilo.
O trabalho do grupo é reconhecido na Colômbia, e recebe patrocínio de empresas brasileiras e de multinacionais que atuam no país. "O perfil das mulheres que ajudam é relativamente parecido. Elas vêm para cá acompanhar a família e são recebidas e integradas ao país pelo grupo. Logo se envolvem com o trabalho voluntário e, às vezes, acabam trazendo recursos das empresas em que os maridos trabalham", explicou a atual presidenta, Regina Garcia.
Algumas empresas, como a Petrobras, patrocinam exclusivamente o trabalho social desenvolvido com as crianças. Outras ajudam esporadicamente na realização dos eventos anuais promovidos pelo Aquarela.
"Para arrecadar dinheiro para os projetos sociais e promover a cultura brasileira, todo ano fazemos o carnaval, a festa junina e a feijoada", detalha Regina. O grupo também faz eventos menores como bingos, bazares e almoços que, segundo ela, são importantes para a integração.
De acordo com Regina, as brasileiras que atuam no grupo encaram a atividade como um trabalho. Ela diz que o Aquarela cresceu e as responsabilidade e demandas aumentaram. "Mas o trabalho é gratificante. Várias crianças com as quais convivemos têm câncer em estado terminal. Oferecemos carinho e tempo a elas, mas recebemos o mesmo de volta. Saímos das atividades, renovadas, com a alma limpa", comenta.
Com 19 anos de existência, o grupo é caraterizado pela rotatividade. Algumas pessoas vêm à Colômbia para morar por tempo indeterminado. Outras passam apenas uma temporada, mas o suficiente para se envolverem com o trabalho desenvolvido.
Foi o caso de Gabriela Primo, 28 anos. Formada em turismo, ela deixou o trabalho em uma agência de intercâmbio e veio para a Colômbia há um ano e dois meses para acompanhar o marido, que chegou a trabalho.
"Eu topei vir, mas me deu um pouco de medo. Deixei o emprego, tudo, e não sabia o que encontraria na Colômbia. Eu tinha preconceito, e achava que aqui era ruim", disse Gabriela. Antes de chegar a Bogotá, ela soube que havia um grupo de brasileiras que trabalhavam com a comunidade local e recebiam os "recém-chegados".
Gabriela se envolveu nas atividades do grupo e foi bem recebida pelas brasileiras. "Logo vi que queria trabalhar na parte voluntária e social, hoje acho que essa mudança me fez descobrir minha verdadeira vocação", conta.
O Aquarela tem dez anos como ONG registrada na Colômbia, mas começou há 19 anos. No início, o foco maior era a integração de quem chegava, conta Claudia Miranda, 43 anos, há 18 anos vivendo em Bogotá.
Ela se integrou ao grupo quando ele estava começando a se reunir. "Na época, tudo era mais difícil. As guerrilhas eram muito mais atuantes nas grandes cidades que hoje. Havia mais perigo, sequestros, e viver aqui era complicado. O Aquarela começou com brasileiras que queriam estar juntas, matar a saudade da comida do Brasil e que, de certo modo, buscavam refúgio", diz Claudia.
No início, algumas mulheres faziam roupas, doavam para hospitais e arrecadavam alimentos. O grupo também fazia pequenos "jornais" e distribuía entre a comunidade brasileira, na época muito menor que hoje. A Embaixada do Brasil estima que cerca de 4 mil brasileiros vivam em Bogotá.
Para contar a história da fundação, a musicista Beth Fontes, 48 anos, lançou na semana passada em Bogotá o livro A História de uma Aquarela, publicação bilíngue (em português e espanhol) com ilustrações de Maria Lucia Rodriguez.
Toda a renda do livro será dedicada ao trabalho social do grupo e tanto a autora quanto a ilustradora abriram mão dos direitos autorais pela causa. Beth conta que escreveu o livro pela vontade de "imortalizar" a história que ela e centenas de mulheres têm experimentado na Colômbia.
"Muitas de nós nos mudamos para a Colômbia com muitas incertezas. Mas, por meio do grupo nos integramos e, trabalhando como voluntárias, descobrimos novos horizontes e um novo sentido. É disso que o livro fala", detalhou à Agência Brasil.
Beth acaba de regressar ao Brasil depois de uma temporada na capital colombiana. Do tempo que passou na Colômbia, trabalhando como voluntária, ela diz que levará boas recordações e o aprendizado. "Os sorrisos e os olhares daquelas crianças serão, em minha memória, marcas significativas da passagem pelo país", conclui.
Edição: Graça Adjuto
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