Thais Leitão
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O empreendedorismo é uma chave que liberta a mulher negra para conquistar o respeito social no mercado de trabalho. É desta forma que a designer e consultora de moda baiana Marah Silva, 40 anos, descreve a atividade na qual mergulhou há quase uma década. Dona do Ateliê Cretismo, que funciona no centro do Rio de Janeiro, ela usa a arte que embute em suas criações para valorizar a cultura afro-brasileira. Segundo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é considerada negra a população preta e parda.
“Foi com o empreendedorismo que conquistei autonomia, visibilidade e respeito social. A mulher negra tem uma luta dobrada, porque enfrenta os preconceitos de gênero e de raça. Se eu não estivesse nesse ramo, provavelmente estaria trabalhando para alguém que pagaria salários mais altos para mulheres brancas e para homens, ainda que desempenhassem a mesma função que eu”.
Mesmo inserida em um nicho específico, ao produzir figurinos artísticos e roupas do dia a dia inspirados em elementos das religiões de matriz africana, Marah conta que “de vez em quando” esbarra no preconceito de parte da clientela.
“Tem gente que fala comigo por telefone e por e-mail e, quando marcamos um encontro [e me vê], pergunta onde está a dona do ateliê”, disse a empreendedora, que, embora tenha um leque amplo de clientes, independentemente de cor ou raça, faz questão de manter uma modelo negra em seu catálogo de moda.
“Infelizmente, quando as pessoas veem uma modelo negra acham que a moda que ela promove é apenas para pessoas negras”, acrescentou ela, que é filha de baiana do acarajé, como são chamadas as mulheres que se dedicam à venda dessa e de outras iguarias da culinária baiana.
A coordenadora da organização não governamental Criola, Jurema Werneck, que trabalha na promoção dos direitos das mulheres negras, enfatizou que, embora sem essa nomenclatura, o empreendedorismo faz parte da história dos negros no país. Ela lembrou que, mesmo antes da abolição, senhores de engenho obrigavam as escravas a produzir itens típicos de sua cultura, como o acarajé, e comercializá-los.
“A maior parte da renda era para os senhores, mas as escravas já empreendiam, embora em condições muito negativas. De onde elas vinham, nos mercados africanos, quem trabalhava eram as mulheres e ao chegar aqui elas também fizeram isso durante e depois da escravidão”, disse.
A antropóloga Ana Lúcia Valente, pesquisadora da Universidade de Brasília, destacou que com a abolição muitos negros livres se tornaram empreendedores como forma de lutar pela inserção social. Sem muitas alternativas para garantir o sustento próprio e de suas famílias, ex-escravas ofereciam serviços de culinária, costura e lavagem de roupas.
“Era, na verdade, uma estratégia de sobrevivência, uma luta para que conseguissem sua inserção social. Com isso fica provado que o empreendedorismo feminino não é uma novidade no Brasil, só que ele começou a ser valorizado pela sociedade mais recentemente”. Ela enfatizou que a atividade empreendedora, ao ajudar as mulheres negras a gerar renda, contribui para o fortalecimento de uma identidade positiva e de autonomia dessa parcela da população, principalmente quando são chefes de família.
A socióloga Sirlei Márcia de Oliveira, vice-diretora da Escola Dieese de Ciências do Trabalho, também ressaltou a importância da renda obtida com atividades empreendedoras no sustento de famílias chefiadas por mulheres, principalmente nas camadas de renda mais baixa.
Ela citou dados do Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, publicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, que apontam que quase 50% das chefes de família são também as únicas responsáveis pela sobrevivência do núcleo familiar.
“São lares em que só a mulher se responsabiliza pelo sustento próprio e dos filhos. E como a gente sabe que nas camadas de renda inferior a proporção de mulheres negras é maior, o crescimento do empreendedorismo entre elas pode significar o acesso a melhores remunerações por meio de um negócio próprio”, disse.
Segundo Sirlei, ao se dedicar a um empreendimento promissor, que seja rentável, a mulher garante uma renda mais elevada do que teria se ocupasse uma vaga nos setores que concentram os maiores números de mulheres negras, como o do emprego doméstico.
Única responsável pelo sustento de seus dois filhos, um com 19 e outro 11 anos, a baiana Girleine Neves, 37 anos, moradora de Lauro de Freitas (BA), passou a confeccionar, para aumentar a renda familiar, o pano da costa, peça de vestuário de origem africana que compõe a indumentária da roupa de baiana. Ela, que já fazia acarajé para eventos e sob encomenda, vê no empreendedorismo a única alternativa para criar os filhos.
“Tive que me virar porque como sou sozinha com eles era preciso fazer uma atividade que dependesse de mim, do meu esforço”, disse ela, uma das integrantes da rede Mauanda, que reúne artesãos e religiosos dos terreiros de candomblé de Salvador e região metropolitana. O grupo produz peças ligadas à arte, à moda e à cultura afro.
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Edição: Tereza Barbosa
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