Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Passado o glamour da novela Avenida Brasil, que os projetou de forma cênica em todo o país, os catadores do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho reclamam de abandono e falta de trabalho desde o fechamento do local, há cinco meses. Sem mães Lucindas, Jorginhos ou Ninas, o bairro do município de Duque de Caxias que abrigou o maior lixão da região metropolitana do Rio de Janeiro agoniza pela falta de renda.
Embora o depósito de lixo fosse degradante, pelo rastro de mau cheiro e detritos que cobriam as ruas, também garantia a injeção de um grande volume de dinheiro no comércio local, proveniente da reciclagem feita pelos mais de 1.700 catadores, que retiravam cerca de 200 toneladas de material por dia. Quando o depósito foi encerrado, cada um recebeu cerca de R$ 14 mil de indenização, dinheiro que em um primeiro momento provocou alegria, mas acabou pulverizado.
“Mudou tudo, meu filho. Ficou muito difícil. O negócio da gente era o lixo. O que adiantou ganhar aquele dinheiro e mais nada? Eu já estou velha, como é que vou arranjar serviço? Eu dependia do lixo mesmo. Estou doente e não tenho mais condições de trabalhar. Minha vida estava melhor quando o lixo estava ali”, lamentou a ex-catadora Lucia Helena de Souza, de 54 anos. Conhecida como Nega Lúcia, ela disse que chegou a faturar mais de R$ 1,2 mil por mês na reciclagem, mas que viu a renda cair para os cerca de R$ 400 que ganha agora fazendo biscates.
A mesma queda nos rendimentos atingiu o ex-reciclador Severino Gomes de Lima. Embora reconheça que o fechamento do aterro representou um ganho ambiental para o bairro, ele contou que a família atualmente enfrenta necessidades. Severino chegou a ser dono de um galpão de reciclagem, material que as três filhas e a esposa traziam diariamente da “rampa”, como era chamado o morro que se formou ao longo de três décadas com toneladas de lixo e terra.
“Muita gente diz que melhorou por uma parte. Mas, por outra, piorou. Lá em cima, quebrava um galho. Tinha gente que subia lá e ganhava até R$ 200 por dia. Nós tínhamos uma renda boa. Eu chegava a ganhar até R$ 1 mil por semana. Agora caiu muito. Eu estou trabalhando de pedreiro, mas para a minha família está difícil”, contou Severino, que cobra do Poder Público a criação de uma cooperativa para retomar a reciclagem.
Os efeitos econômicos colaterais, após seis meses do fechamento do aterro, são visíveis nas ruas do bairro. Praticamente metade do comércio, principalmente pequenos bares, lojinhas de roupas e galpões de reciclagem, fechou as portas.
A ex-comerciante Margarida de Souza Gonçalves, de 59 anos, sobrevivia com uma barraca onde vendia alimentos e bebidas, faturando até R$ 1.300 por semana. “Tive que fechar, não tinha mais movimento. Acabou, não tem mais nada. Minha vida está péssima. Ainda tenho dívidas para pagar. Tentei arranjar trabalho. Estou buscando qualquer coisa, mas está difícil”, disse.
Situação pior vive a ex-catadora Elaine Costa dos Santos, de 25 anos, que trabalhava na “rampa” desde os 18. Sem o trabalho, agora ela não consegue sequer comprar comida suficiente. “Quando tinha o lixão aqui, era feio. Mas muita gente subia lá e tirava o pão e o alimento. Hoje em dia, muitos passam fome”.
O valor recebido como indenização pelo fim do aterro não foi suficiente para garantir o sustento por muito tempo. Wanderlan Vieira, de 27 anos, desde os 16 no lixão, comprou alguns bens, mas ficou sem dinheiro. “Eles tiraram o sustento que o catador tinha para sobreviver. Deram R$ 13.800 para cada um e acharam que estavam nos dando uma riqueza. Mas na verdade foi só um cala-boca”, disse ele, que comprou uma moto e um carro, mas agora está sem trabalho.
O subsecretário de Meio Ambiente do município de Duque de Caxias, onde está situado Gramacho, Ariston Cerqueira Fontes, disse que, ambientalmente, o fechamento foi positivo, mas reconheceu a falta de medidas sociais compensatórias.
“Representou uma melhora. Teremos menos poluição, com menos insetos e doenças. Mas, do ponto de vista social, o fechamento do aterro tem que ser melhor trabalhado. É preciso implantar uma usina de reciclagem, dar emprego a esse pessoal. Porque a tendência [com a falta de trabalho] é aumentar o índice de criminalidade. O próximo prefeito vai ter que resolver isso como prioridade”, frisou Ariston.
As medidas compensatórias sociais no local ficaram sob responsabilidade da Secretaria Estadual do Ambiente (SEA), que prevê para o primeiro semestre de 2013 o início de funcionamento de dois polos de reciclagem: um para garrafas, papel, plásticos e metal e outro para reaproveitar restos da construção civil para a fabricação de tijolos.
O responsável pelo projeto é o superintendente de Políticas de Saneamento da SEA, Jorge Pinheiro. Ele disse que o dinheiro para a construção das estruturas foi liberado faz 15 dias e que a ideia é implantar seis cooperativas de separação de resíduos, beneficiando diretamente cerca de 400 trabalhadores.
“É importante destacar que estão sendo feitas ações. Eles não estão entregues à própria sorte. Foram cadastrados no [Programa] Bolsa Família e receberam auxílio-alimentação durante um período. O problema é que uma grande maioria torrou o dinheiro recebido ou aplicou de forma imprevidente”, frisou Pinheiro.
Além das futuras inaugurações dos polos de reciclagem, foram disponibilizados cursos de qualificação que já formaram cerca de 100 pessoas, das quais muitas já se encaixaram no mercado de trabalho. Outra iniciativa do governo é uma radical mudança urbanística no bairro, com a construção de casas, implantação de locais de lazer, pavimentação de ruas, construção de uma ciclovia e a transformação do morro do aterro em uma grande área verde. Se tudo isso for levado adiante, o bairro finalmente fará jus ao nome: Jardim Gramacho.
Edição: Davi Oliveira