Mensagens fortes marcaram segunda noite de mostras competitivas do Festival de Cinema de Brasília

20/09/2012 - 5h59

Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Com quase todas as cadeiras da Sala Villa-Lobos, do Teatro Nacional, tomadas pela plateia por mais de quatro horas, a segunda noite de mostras competitivas do 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi marcada por produções fortes e ricas em mensagens para o público.

Com elenco formado por nomes como o de Irene Ravache, Simone Spoladore, Otávio Augusto e Clarisse Abujamra, o longa-metragem A Memória Que Me Contam, que encerrou a noite de exibições, percorreu a memória de grande parte do público com a trama sobre um grupo de amigos que resistiu à ditadura militar e enfrenta o convívio entre passado e presente.

A ficção, de 95 minutos de duração, dirigida pela carioca Lúcia Murat, além de tratar de ideais derrotados e de construções de mitos, abordou com profundidade as nuances que dividem os próprios rebeldes em suas lutas, colocando algumas situações em que os próprios reconheciam erros na trajetória de luta pela liberdade. Com fotografia atraente, o longa retratou ainda os reflexos desse período na formação cultural, política e artística nacional.

Lúcia Murat, que ganhou os prêmios de melhor filme do júri oficial, júri popular e crítica no Festival de Brasília de 1989 com Que Bom Te Ver Viva, falou de sua felicidade em voltar à disputa no evento. “É o maior prazer estar aqui porque há 22 anos apresentei neste festival incrível, com este público incrível. De alguma maneira, este filme [A Memória Que Me Contam] é retirado de alguns daqueles personagens [Que Bom Te Ver Viva]”, explicou a diretora. O longa de 1988 mostrou depoimentos de mulheres torturadas durante a ditadura militar, intercalando essas falas com cenas de ficção.

“Muita coisa mudou neste país. Alguns de nós, sobreviventes, chegaram ao poder. E essa discussão está no filme”, disse ela, dedicando a produção à neta Nina, que nasceu há 20 dias e representa a terceira geração desde o regime.

Na categoria longa-metragem documentário, a piauiense Karla Hollanda apresentou a produção Kátia, com a trajetória da primeira travesti eleita para um cargo político no Brasil. A história de Kátia Tapety, vereadora eleita por três vezes e vice-prefeita de um pequeno município no sertão do Piauí, é a segunda exibição da nova categoria criada pelo festival, com prêmio no valor de R$ 100 mil.

“O que vemos no filme é ela [Kátia] se relacionando com as pessoas, com padres, juízes, possíveis eleitores, a filha adotiva de sete anos, com a religião. A Kátia tem uma  forma de se colocar na vida que foi adquirida para sobreviver. Ela tinha todas as condições adversas, mas é uma pessoa resolvida, que tem plena consciência de que vive, diariamente, uma luta”, descreveu a diretora.

Karla Hollanda, que conviveu com a vereadora por três anos antes de iniciar as filmagens, revela que o documentário é resultado de 20 dias de convivência com Kátia Tapety no sertão do Piauí.

“Ao fazer o filme, tentei deslocar esse lugar, que sempre é associado ao atraso generalizado. É sim uma região pobre, mas o filme consegue trazer uma nova visão, porque é um local com valores. [O filme] significa aquele lugar”, disse Karla Hollanda. “Kátia foi a vereadora mais votada por três eleições e não foi pelo público homossexual. Isso significa muito em relação às conquistas de direitos humanos e, vindo de uma cidadezinha como essa é, no mínimo, surpreendente”, acrescentou.
  
O documentário suave e divertido, características da personalidade da protagonista, despertou o público para questões cotidianas em meio às risadas provocadas pelas cenas. “Surpreende a força de vontade, a graciosidade e o que ela simboliza. Ela tem uma mensagem positiva, de luta pela vida, de combate ao preconceito. Tudo que ela conseguiu realizar ilumina as pessoas”, avaliou o advogado Flávio Santos.

A analista de sistemas Fabiana Gotachi manifestou surpresa com a produção. “Acho que é uma grande revelação. Eu não esperava isso do cinema brasileiro mesmo. Este documentário foi ótimo”, disse ela.

 


Edição: Graça Adjuto