Hermeto Pascoal lança 13 músicas feitas a partir de sons do corpo

07/07/2012 - 14h25

Pedro Peduzzi
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Enquanto a música contemporânea, inclusive a erudita com a música eletroacústica, faz cada vez mais uso de aparatos tecnológicos, o multi-instrumentista Hermeto Pascoal decidiu, novamente, fugir dos padrões e lançou um DVD com 12 músicas feitas apenas com sons obtidos a partir do corpo. Essa experiência, segundo o próprio músico – famoso por transformar qualquer tipo de som em verdadeiras peças musicais – não implicou limitação para o trabalho, até porque, argumenta, “o corpo é o instrumento mais perfeito que se tem”.

“O corpo sempre foi um dos meus instrumentos prediletos, apesar de o que mais aparece [em alguns dos meus trabalhos] ser o uso de coisas não convencionais. Eu quis mostrar isso no DVD”, disse o músico à Agência Brasil, referindo-se ao recém-lançado Hermeto Brincando de Corpo e Alma. O formato escolhido foi o DVD para permitir que as pessoas vejam cada uma das origens dos sons usados nas novas composições.

“Explorei muito as partes internas do corpo. Há batidas feitas a partir do som do coração, assovios, sons do intestino, da barba e da minha válvula mitral [válvula cardíaca que separa a aurícula esquerda do ventrículo esquerdo], que dizia claramente a palavra Nelma”, explicou. “[Essa experiência] foi uma busca pelos sons da aura”.

Uma das principais habilidades de Hermeto é enxergar música onde ninguém vê. “Meu caminho foi o do som para as notas musicais”, explica. “Por isso me assustei ao ver que só havia 12 notas [as sete notas e suas variações, entre sustenidos e bemóis] em todas as músicas [já feitas]”.

Hermeto lembra que, aos 50 anos, ficou bastante angustiado com essa limitação. “Certa vez, na tentativa de fugir disso, afinei uma viola caipira com cada corda em uma nota diferente. Apesar de não ter dado para fugir das 12 notas, passei a entender que viemos aqui para ser semelhantes e não diferentes dos outros. Em todas as partituras já escritas são as mesmas notas, mas não está tudo igualzinho, como faz o computador. Agora, você vê que lindo: criar sobre 12 notas 5 mil músicas, como eu fiz, e não parar de escrever. [Nesse processo,] entendi também que meu professor é meu dom e que, sem egoísmos, temos de valorizar cada vez mais as semelhanças”, disse.

O multi-instumentista, no entanto, alerta para não se confundir semelhança com cópia ou imitação. “Não se ensina a compor; a criar. Compor é você tocar bem. Ao tocar uma melodia, mesmo que ela não seja sua, você está criando algo sobre ela. Não podemos confundir semelhança com imitação. Você pode fazer 2%, mas faça bem feito. Sem esses seus 2%, os 98% não funcionam”, ensina.

Tecnologia -Hermeto reitera a aversão que tem à interferência que alguns aparatos tecnológicos exercem sobre a criatividade musical, limitando-a ao invés de abrir novos horizontes. “Aparatos tecnológicos são como esses produtos novos que aparecem por aí, como sabonetes, pastas de dente. Em geral, quem cria não é músico e quem vende diz ser o que há de melhor no mundo. Mas é tudo [apenas] para ganhar dinheiro”, diz.

“Tudo que tem ali [nos computadores] não só já existe como tem até nome técnico. Máquina não cria nada e nem faz música. Você pode até aproveitar o computador para ter facilidades, como fazer cópias, escrever para orquestra ou transpor a pauta para diferentes instrumentos, mas tudo isso só acontece a partir de um pensamento.”

Hermeto é contra rótulos musicais. Seja para estilos ou para épocas. “A música do século 21 é [apenas] a que estamos fazendo no século 21, porque música boa nunca tem época nem idade. Não está limitada também aos instrumentos. Para mim, assobiar é tão importante como tocar piano, flauta ou chaleira”.

Apesar de apregoar a fuga de padrões musicais pré-estabelecidos, Hermeto ressalta a importância de se conhecer esses padrões para poder evitá-los. “Claro que, para fugir do padrão, é importante conhecer o padrão, mas padrão é como uma pedra para você dar uma topada e mudar a rota. É natural haver semelhanças, mas não é legal coisas iguais. Se você pegar um copo para ser focado por vários olhares, verá que cada um o enxerga de forma diferente, por um ângulo diferente”, ensina este alquimista cuja genialidade continua a mesma: transformar sons em música.

Edição: Fábio Massalli