Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Filho de um senador que já governou o estado e de uma deputada federal pelo Amapá, João e Janete Capiberibe, Camilo Capiberibe (PSB) tornou-se, aos 38 anos, o mais jovem governador do país apenas dois anos após ter perdido, no segundo turno, a disputa para a prefeitura de Macapá.
Em 2010, em meio a uma disputa apertada, o socialista que defendia a necessidade de mudanças na condução da política estadual acabou beneficiado pela Operação Mãos Limpas, deflagrada pela Polícia Federal e que resultou na prisão do então governador Pedro Paulo Dias (PP) e do prefeito da capital, Roberto Góes (PDT), entre outros.
Bacharel em direito, Camilo afirmou à Agência Brasil que a operação policial “causou uma reviravolta” no estado, dificultando inclusive o início de seu mandato. Defendeu a necessidade de um “novo modelo de gestão, mais eficiente”, mas disse encontrar dificuldades para implementá-lo. “Há ainda pressões por vantagens financeiras que temos que combater o tempo todo”, disse o governador.
Agência Brasil - Que balanço o senhor faz desses primeiros meses à frente do governo amapaense e qual a situação encontrada ao tomar posse?
Camilo Capiberibe – Os primeiros dias de governo foram para organização administrativa e sanar problemas emergenciais. Recebemos uma dívida de R$ 1.7 bilhão e teremos que cortar gastos para podermos fazer investimentos ainda este ano. Estamos negociando com os credores e auditando algumas das dívidas, pois não sabemos sequer se elas de fato foram feitas. Quando assumimos havia 5,4 mil trabalhadores contratados temporariamente. Hoje eles são 2,1 mil. Só não cortamos [contratos temporários] na saúde e na educação. Queríamos cortar mais, mas a situação de desorganização administrativa é tanta que não nos permite saber onde todos os funcionários estaduais estão lotados. Por isso estamos recadastrando os servidores. Também tivemos que resolver uma grave crise energética, quase um conflito social, na região sul do estado, pagando [dívidas da] Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA).
ABr – O problema energético que o senhor mencionou ainda não foi equacionado, não?. Tanto que o senhor veio a Brasília buscar uma solução política a fim de evitar que o Ministério de Minas e Energia cancele o contrato de concessão da CEA.
Capiberibe – Não, o problema da CEA realmente não foi solucionado. A dívida da companhia com a Eletronorte, que produz e vende energia ao estado, é R$ 1,4 bilhão e não temos condições de pagar sem comprometer nossa capacidade de investimentos no próprio sistema, que está defasado. Uma dívida que vem de anos e que, com os juros e multas, passou de R$ 100 milhões, em 2003, para os atuais R$ 1,4 bilhão. Queremos discutir estes acréscimos, mas o Ministério de Minas e Energia está insensível. Embora eu não veja condições políticas para que o contrato de concessão da companhia seja cancelado, temo que a falta de flexibilidade do ministério cause um apagão energético no segundo semestre deste ano pois estamos impedidos de contratar mais energia.
ABr – Como o senhor, que estudou em escolas públicas amapaenses, pretende resgatar a qualidade do sistema público de ensino?
Capiberibe – No Amapá, a educação tem sido um foco de corrupção. A Operação Mãos Limpas [da Polícia Federal], que em 2010 resultou na prisão de dois ex-governadores [Pedro Paulo Dias (PP) e Waldez Góes (PDT)], parlamentares e várias autoridades, começou por uma investigação em contratos da Secretaria de Educação. Portanto, é difícil reestruturar rapidamente uma secretaria que virou um foco de malversação do dinheiro público, que tem um déficit anual de R$ 100 milhões e que tinha 2,1 mil professores contratados temporariamente, mil deles desnecessariamente. Há alunos estudando em galpões improvisados porque várias escolas foram derrubadas no final do ano passado para garantir [a execução] de contratos de reforma [assinados pelo governo estadual]. Nossa prioridade é, além de acabar com a corrupção e reformar as escolas, garantir a presença dos professores, transporte escolar e merenda de qualidade, regionalizada, a todos os alunos. E estamos reduzindo os gastos de custeio da educação.
ABr – E como valorizar os professores?
Capiberibe – Estou separando R$ 1 milhão todos os meses para que, no segundo semestre, possamos colocar em prática um programa de inclusão digital, o Professor Conectado, com o qual iremos garantir a cada professor um notebook com as ferramentas pedagógicas necessárias para que ele dê suas aulas. O segundo passo é levar a banda larga para o estado a fim de que possamos colocar laboratórios de informática com acesso à internet. E todo o dinheiro que o estado gastava com a merenda, na vigilância e no transporte escolar superfaturado passará a ser investido na formação continuada dos professores.
ABr – O senhor disse ter encontrado na área de saúde o maior desafio que um gestor público pode enfrentar, e reclamou que a cada dia há um novo incêndio a ser apagado. Qual o quadro encontrado pelo senhor e que medidas está adotando para melhorar o atendimento à população?
Capiberibe – É um quadro terrível. A saúde pública amapaense foi abandonada nos últimos anos. Não houve um processo de modernização de nossa rede hospitalar, e o que existia foi deixado como estava. Os equipamentos estão quase integralmente sucateados. Os recursos humanos, além de insuficientes, estão desmotivados e todo o sistema de gestão foi abandonado.
ABr – E o que já está sendo feito para resolver esses problemas?
Capiberibe – Precisamos instalar um novo modelo de gestão, mais eficiente, porque não há recursos sobrando. É preciso que apliquemos corretamente o que temos. Não basta apenas construir novos hospitais. Estamos revendo contratos e tentando otimizar os recursos humanos. Vamos priorizar a conclusão de obras que estavam paradas, como, por exemplo, o Hospital de Santana, duplicando sua atual capacidade e, assim, ajudando a desafogar o atendimento na capital. Lógico que eu gostaria de chegar aos 100 dias de governo e poder dizer que tudo está funcionando cem por cento, mas isso é impossível.
ABr – Como garantir um atendimento de qualidade também para quem mora distante da capital?
Capiberibe – Em Laranjal do Jari, terceiro maior município do estado e onde o hospital já não comporta as necessidades da população, a orientação é levarmos em consideração não apenas as necessidades imediatas, mas também as futuras. E buscar os recursos necessários para adequá-lo. Já no extremo norte, no Oiapoque, determinei maior velocidade na conclusão da reforma do hospital local, obra que já dura dois anos. E em Porto Grande, na região central, a ideia é reformar e ampliar o hospital regional para que ele possa absorver toda a demanda por atendimentos de média e alta complexidade.
ABr – Tem havido resistência às mudanças administrativas já implementadas?
Capiberibe – As forças políticas desorganizadas pela Operação Mãos Limpas continuam lá [no estado]. Recuaram com receio, mas estão agindo para tentar garantir a manutenção de certos privilégios. Evidente, então, que além de todos os desafios administrativos em setores como educação e saúde, há ainda pressões por vantagens financeiras que temos que combater o tempo todo.
ABr – O senhor mencionou algo muito cobrado pela população, principalmente de Macapá, que é o acesso ao serviço de banda larga. Como fazer isso, qual o custo e que tipo de apoio o estado precisa do governo federal para garantir um acesso melhor e mais barato à internet?
Capiberibe – O custo para levar fibra ótica de Caiena, na Guiana Francesa, até Macapá é de R$ 28 milhões. A [operadora] OI já disse estar disposta a investir R$ 14 milhões. Ao saber da proposta, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, me falou que se for preciso o governo federal entrará com os outros R$ 14 milhões. E se não entrar, o governo estadual vai garantir à OI a isenção de ICMS para que a empresa tenha a possibilidade de implantar ainda este ano a banda larga no Amapá. Lógico que queremos o apoio do governo federal para que o projeto não onere um estado que já tem tantas dificuldades, mas eu digo que a banda larga vai chegar ainda este ano ao estado – que até hoje [dia da entrevista - 16 de março], o Amapá não estava incluído no Plano Nacional de Banda Larga.
ABr – Durante a campanha o senhor afirmou que, se eleito, poderia reverter os maus indicadores relativos ao saneamento básico em apenas quatro anos. O senhor mantém a promessa?
Capiberibe – Eu disse isso porque só para obras de saneamento em Macapá e Santana o Programa de Aceleração do Crescimento [PAC] prevê investimentos de R$ 130 milhões. Fora os recursos alocados para o estado pelo PAC-Funasa. Portanto, temos recursos. O que ocorre é que eles não foram investidos. Retomamos as obras de esgoto, com a revitalização de toda a malha da capital e a ampliação de mais 4,5 quilômetros. Nossa estratégia é executar os projetos contemplados pelo PAC 1 nos primeiros dois anos e avançar com a obtenção de recursos do PAC 2 no segundo biênio. Mas o que já temos é suficiente para universalizarmos o tratamento de água em Macapá.
ABr – O corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União pode, ou vai, afetar projetos sociais ou de infraestrutura no estado?
Capiberibe – Como o estado não executou nem os recursos do PAC 1, nem de emendas parlamentares ou de programas federais como o Minha Casa, Minha Vida, temos um dever de casa a cumprir, ou seja, executar tudo a que o estado tinha direito. A presidenta [Dilma Rousseff] disse que não vai cortar investimentos, e eu acredito nisso porque o país precisa desses investimentos para continuar crescendo. As obras públicas são fundamentais para gerar desenvolvimento econômico, trabalho e renda.
ABr – Como vai o relacionamento político com o governo federal?
Capiberibe – Excelente, com exceção do Ministério de Minas e Energia, o único em que não conseguimos resolver as pendências do estado. Se continuar assim, vou acabar chegando à conclusão de que a razão é política [o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, foi indicado para o cargo pelo presidente do Senado, senador José Sarney (PMDB-AP), adversário político da família Capiberibe]
ABr – E o relacionamento com o prefeito de Macapá, Roberto Góes (PDT) [sobrinho do ex-governador Waldez Góes e apoiado pelo presidente do Senado, José Sarney]?
Capiberibe – Somos adversários políticos, mas temos conversado e temos várias parcerias construídas da forma como está sendo possível. O prefeito sabe que isso não é fácil já que esteve detido [por suposto envolvimento no esquema investigado pela Operação Mãos Limpas] e que, por isso, não podemos repassar recursos à prefeitura. Temos que encontrar uma maneira de ajudar na execução de obras que seriam de responsabilidade da prefeitura para que a população não seja prejudicada. E o prefeito entende isso.
ABr – A Operação Mãos Limpas dificultou a governabilidade do estado?
Capiberibe – Sem dúvida. Ela causou uma reviravolta muito grande no estado ao atingir a elite política que estava no governo há anos, derrubando várias pessoas. Agora, aquela estrutura continua existindo. Nossa tarefa mais ampla é fazer uma mudança cultural, o que é muito mais difícil do que substituir pessoas. Uma das primeiras coisas que eu fiz foi criar o Portal da Transparência estadual. Agora quero divulgar a relação de todos os servidores públicos, sem exceção, com o local onde estão lotados e o horário de trabalho. É um direito do cidadão saber onde está o trabalhador pago com seus impostos. Esta é a forma do cidadão fiscalizar as más práticas que porventura aconteçam, porque a gente as combate, mas nunca acaba com elas.
ABr – Embora seja apontado como um dos estados mais preservados em termos ambientais, e tenha um grande potencial turístico, o Amapá ainda é pouco conhecido pelos brasileiros. Como estimular o turismo e levar importantes divisas para o estado?
Capiberibe – O Amapá é um estado maravilhoso, com a única capital banhada pelo Rio Amazonas, mas tem problemas estruturais. Estamos discutindo um projeto não só para atrair os brasileiros, mas também para nos prepararmos para a visita de turistas estrangeiros que virão ao país por conta da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Estamos recuperando equipamentos e produtos turísticos que estavam abandonados, como o Museu Sacaca, onde está retratado um pouco do modo de viver da Amazônia, e o Trapiche Eliezer Levy, no Rio Amazonas.
ABr – E o bondinho do trapiche já está funcionando?
Capiberibe – Não, não está ainda. Faz quatro anos que ele está parado, mas o estamos recuperando, assim como o entorno da Fortaleza de São José de Macapá, um monumento histórico. Agora, há uma questão que é o preço das passagens para a Amazônia em geral. Se não pudermos trabalhar o valor das tarifas, vai ser sempre difícil atrair o turista brasileiro para o estado.
ABr – E o Aeroporto de Macapá? O senhor já sabe quando a obra enfim vai ser concluída?
Capiberibe – A previsão, segundo a Infraero, é que só esteja pronto em 2014.
ABr – O senhor é favorável a uma reforma tributária ou teme que o estado possa ser prejudicado?
Capiberibe – O atual modelo não é benéfico ao estado, e se for definida uma nova regra para a partilha do ICMS, eu acho que não temos muito a perder. Quem poderá ser prejudicado, a meu ver, são os estados do Sul e Sudeste. E, por isso mesmo, a reforma não avança. Somos favoráveis a uma reforma que combata as desigualdades regionais, que garanta que o estado tenha recursos suficientes para promover seu desenvolvimento e garantir a dignidade de nossa população.
ABr – Mas a simples manutenção deste recurso não será suficiente para as atuais necessidades do estado, muito menos para estimular o desenvolvimento. Como estimular o desenvolvimento de atividades econômicas que reduzam a dependência do funcionalismo público?
Capiberibe – Uma opção é integrar o Porto de Santana a uma estratégia nacional de desenvolvimento econômico. Hoje, ele já serve à exportação de matéria-prima (ferro, ouro, madeira e minérios), mas ele pode ser muito mais, já que é o porto mais bem localizado da Amazônia, na entrada do Rio Amazonas, com acesso imediato ao Oceano Atlântico e proximidade com o Canal do Panamá. O Porto de Santana pode ter um importante papel de integração dos mercados nacional ao internacional e também do amazônico ao do restante do país. Há também o potencial moveleiro, o que exige capacitação tecnológica. E, lógico, o uso da biodiversidade, agregando valor a produtos que já geram importantes divisas, como o açaí e a castanha. Isso para não falar dos empreendimentos minerais.
ABr – E a cultura? Como promover as manifestações tradicionais, a produção local e responder às queixas dos artistas amapaenses, que reclamam do isolamento resultante do distanciamento dos grandes centros?
Capiberibe – Este é um problema do país, que não enxerga a Amazônia e foca muito no Centro-Sul do país. Isso termina impondo um exílio para pedaços inteiros de nosso território. O que procuramos fazer é apoiar a produção local por meio de editais e garantirmos a realização de eventos como o Ciclo do Marabaixo. Neste momento, estamos estruturando a Secretaria Estadual de Cultura para que ela dê conta disso.
ABr – Houve registro de problemas com brasileiros que tentavam cruzar a fronteira com a Guiana Francesa, onde é grande a presença de brasileiros ilegais, principalmente nos garimpos. O senhor teme que a situação piore com a inauguração da ponte que ligará os dois territórios?
Capiberibe – Eu vejo a cooperação transfronteiriça como um caminho de fortalecimento das relações entre o Amapá e a Guiana Francesa e, consequentemente, com a França. Os problemas hoje existentes acontecem principalmente devido à falta de políticas de integração. A ponte vai é exigir políticas claras. De que maneira o brasileiro vai poder entrar no território francês para passear, consumir e fazer negócios e vice-versa. Agora, o problema dos garimpos é, em boa parte, francês. É nosso também porque há garimpeiros brasileiros indo para lá, mas em maior parte é francês já que a Guiana e a França não conseguem combater o garimpo ilegal. Os donos desses garimpos não são brasileiros.
ABr – O senhor tem notícias de que a polícia francesa tenha cometido excessos na vigilância da fronteira?
Capiberibe – Há muitos brasileiros que relatam excessos por parte da Gendarmerie, mas esta é uma questão delicada que cria um constrangimento muito grande para todas as partes e não nos ajuda a construir uma relação melhor. Evidentemente que, na minha percepção, há sim excessos, mas isso não vai ser resolvido sem que os franceses consigam resolver o problema dos garimpos ilegais e que o Brasil dê condições aos seus cidadãos de permanecerem aqui.
Edição: Aécio Amado