Coluna do Ouvidor - Pílulas de realidade

11/02/2011 - 8h25

Paulo Machado
Ouvidor da Agência Brasil

Brasília - A ouvidora do jornal espanhol El País, Milagros Pérez Oliva, em entrevista concedida ao jornalista Alberto Dines do Observatório da Imprensa, disse que o público leitor vem se acostumando a tomar “pílulas de realidade” depois do advento da internet. Ela referia-se à superficialidade da informação com que os veículos de comunicação eletrônicos trabalham atualmente, privilegiando a quantidade de notícias e o tempo em que são dadas, mas descuidando de certos procedimentos como apuração rigorosa, exatidão, contextualização e aprofundamento das questões. A ouvidora acrescentou ainda em seu comentário a questão da efemeridade da informação - que alguns minutos depois de publicada já se torna notícia velha, pois é rapidamente reproduzida e repercutida pelos meios eletrônicos, como outro fator que pressiona as redações e contribui para uma perda significativa da qualidade da informação.

 

Parece que nas ultimas semanas a Agência Brasil foi vítima desses problemas da era moderna da comunicação. Quem chamou a atenção desta Ouvidoria para um possível engano foi a leitora Anastacia de Souza. Escreveu ela: “Escrevo para alertá-los sobre uma matéria que possivelmente está incorreta. Trabalho acompanhando os dados da tragédia no Rio e acredito que o governo federal não liberou esse dinheiro todo para as cidades afetadas pelas chuvas. Sugiro que a redação verifique os dados e dê uma nota de erro ou coisa assim, porque corrigir não adianta mais.

 

A matéria Governo já liberou mais de R$ 1 bilhão para vítimas da chuva e da seca, cujo título fora modificado depois de publicada, informava que: “ O governo federal já liberou R$ 1,18 bilhão em ajuda emergencial às vítimas de catástrofes decorrentes das chuvas e da estiagem no país. Além dos R$ 780 milhões para ações de socorro e recuperação das cidades de Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, liberados de imediato...”.

 

Para o leitor que leu a notícia publicada no dia 21 de janeiro ficou a informação de que as três cidades receberam os R$ 780 milhões “de imediato”. Conforme o que se verificaria depois, não foram R$ 780 milhões para as três cidades, nem tampouco “de imediato”.

 

A primeira modificação feita pela ABr acrescentou o termo genérico “entre outras” depois dos nomes das três cidades serranas do Rio de Janeiro. Para o leitor que leu a notícia após essa modificação ficou a informação de que as três cidades e mais algumas outras receberam os R$ 780 milhões. Essas “outras”, o leitor poderia supor, seriam as demais cidades serranas - Sumidouro, Areal, Bom Jardim e São José do Vale do Rio Preto. Em uma segunda modificação, feita não se sabe quando, modificou-se a modificação, acrescentando-se “entre outros municípios atingidos por enchentes e seca”. Portanto, alguns dias depois de publicada, finalmente a matéria passava a informação correta, embora ainda imprecisa: o dinheiro seria para atender a municípios atingidos por fenômenos climáticos. Quais seriam eles? Quanto receberia cada um? A matéria, embora modificada, não informava. Mas será que a grande maioria dos leitores que leu a primeira notícia, na hora de sua publicação, voltaria a ela dias depois para reler a mesma informação e descobrir que não era bem aquilo que havia sido informado anteriormente?

 

Talvez seja por isso que a leitora recomendou “Sugiro que a redação verifique os dados e dê uma nota de erro ou coisa assim, porque corrigir não adianta mais.” Realmente este seria o procedimento mais adequado. Quem leu uma notícia uma vez dificilmente voltará a lê-la, afinal quem toma a mesma “pílula de realidade” duas vezes?

 

À época do jornal de papel, quando este era o principal veículo de informação dos leitores, uma notícia uma vez publicada estava ali grafada para sempre. Para modificá-la, reza a lenda, só um novo jornal de papel com um “erramos”, de preferência do mesmo tamanho e no mesmo espaço da manchete ou da notícia original. Esse “erramos” ao mesmo tempo em que decepcionava o leitor pelo equívoco cometido, redimia a credibilidade do veículo como a dizer: “erramos, mas admitimos nosso erro – você pode continuar confiando na gente”.

 

Não é pela aparente facilidade que a internet apresenta, que se pode alterar um texto ou uma manchete já publicados, pois tal procedimento compromete a confiança do leitor no que ele está lendo - e credibilidade era e continua sendo o maior patrimônio de um veículo de comunicação.

 

A informação imprecisa da ABr sobre a liberação de verbas para o estado do Rio de Janeiro causou um possível constrangimento às autoridades e foi alvo de comentário do vice-governador. Em entrevista ao site de O Globo (*). Ele declarou: “O vice-governador Luiz Fernando Pezão negou nesta sexta-feira, durante coletiva no BNDES, que a União já tenha repassado R$ 1,8 bilhão ao Rio de Janeiro em ajuda emergencial às vítimas das chuvas, como informado mais cedo pela Agência Brasil.”

 

Na própria Agência Brasil, na matéria Governo do Rio e prefeituras da região serrana já receberam R$ 87 milhões da União, publicada dia 17 de janeiro, formulada com base em release do Ministério da Integração Nacional (**), encontra-se a informação correta sobre a liberação de recursos, mas tal notícia não foi considerada pela redação e nem apensada, por meio de link, às outras sobre o mesmo assunto. Essa é uma ferramenta poderosíssima dos veículos eletrônicos, um procedimento indispensável que permite ao leitor navegar e com isso se aprofundar nas questões de seu interesse, não ficando só nas “pílulas de realidade”. Mas a ABr parece ter dificuldades em utilizar essa ferramenta, como já observamos em colunas anteriores.

 

Quanto ao “liberado de imediato”, ele mereceria pelo menos uma explicação. Quando o governo federal libera um recurso, na verdade ele está abrindo uma possibilidade de crédito, está autorizando o Ministério da Fazenda a tomar as providencias para o pagamento. Todavia, consta dessas providências, entre outras medidas, uma série de requisitos e procedimentos administrativos e financeiros que o município credor terá de cumprir para ter acesso à verba.

 

Levantamento da Ong Contas Abertas mostra que dos R$ 80 milhões federais disponibilizados para socorrer as vítimas da enchente de Angra dos Reis, em janeiro do ano passado, apenas R$ 50 milhões foram efetivamente repassados. Segundo o secretário-geral da Ong, Gil Castelo Branco, em entrevista, concedida dia 13 de janeiro, à rádio Câmara: “Esses R$ 780 milhões são uma mera expectativa e cumprem muito mais uma finalidade de dar uma resposta à sociedade - dizer: ´o governo está agindo´ -, mas dificilmente esse dinheiro vai poder ser empregado com rapidez. Naturalmente, os municípios têm enorme dificuldade em elaborar os projetos." (***)

 

Até a próxima semana.

 

 

(*) - disponível em: http://extra.globo.com/noticias/rio/pezao-diz-que-rio-de-janeiro-recebeu-100-milhoes-da-uniao-para-vitimas-das-chuvas-906559.html

 

(**) - disponível em: http://www.integracao.gov.br/comunicacao/noticias/noticia.asp?id=5413

 

(***) - disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara/?lnk=1931-MP-LIBERA-R$-780-MI-PARA-VITIMAS-DAS-ENCHENTES-NO-RIO-MARCO-MAIA-GARANTE-APRECIACAO-RAPIDA-447&selecao=MAT&materia=115734&programa=41