Índios e fazendeiros divergem sobre suspensão da homologação de terras indígenas

21/01/2010 - 16h27

Mariana Jungmann
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), GilmarMendes, de suspender a homologação de terras indígenas até que oassunto seja julgado, provocou questionamentos de líderes indígenas e de representantes deentidades como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e aFundação Nacional do Índio (Funai). Os fazendeiros e a Confederação daAgricultura e Pecuária do Brasil (CNA) elogiaram a decisão. Nos dias 19 e 20 deste mês, o ministro concedeu liminares suspendendo homologações que estendiam ademarcação das terras Arroio-Corá, em Mato Grosso do Sul, e Anaro,em Roraima.No Cimi, o secretário adjunto, Cleber Buzatto,disse ter “estranhado” uma decisão tão rápida durante o recessodo Judiciário. “Estranhamos a rapidez do presidente doSurpremo em conceder essas liminares em meio ao recesso, quando existem questões mais urgentes para o país no STF há mais tempo”, afirmou Buzatto. “Essa decisão estávinculada a uma série de outras em que há prejuízo deuma determinada classe social no país.”Buzzatolamentou os elogios feitos pela presidente da CNA, senadora Kátia Abreu(DEM-TO), a Mendes, mas ressaltou que a entidade confia na Justiçabrasileira e entende que essa é uma posição do presidente daSuprema Corte e não deverá ser seguida pelos outros juízes dotribunal. O advogado do Cimi, Rogério Batalha, também achaque a decisão de Mendes deverá ser revista pelos demais ministrosna hora do julgamento. Batalha lembrou que o principal fundamentousado por Mendes ao conceder as liminares foi o fato de que os índiosnão ocupavam as terras em 1988, quando a Constituição foipromulgada. Usada também no julgamento da Raposa Serra do Sol, emRoraima, essa premissa foi fundamental para que fosse mantida peloSTF a demarcação da terra indígena. “Esses fundamentosdevem ser revistos pelos demais ministros do Supremo, porque asituação de Mato Grosso do Sul não é semelhante à de Roraima”,explicou o advogado. Segundo ele, os índios não ocupavam a terra em1988 porque haviam sido violentamente expulsos do local por colonos,com a “anuência do Estado”. A decisão de Mendes agradou aos fazendeiros da região. Eles alegam que os índios chegaram láhá pouco tempo. Para o dono da fazenda Polegar, Otacílio CarolloTramujas, a decisão do STF deixou expectativas positivas para osprodutores rurais. “Isso nos animou,porque não queremos tirar os índios, mas estamos aqui há muitos anos, e nunca teve índio. Depois, eles apareceram dizendo que eradeles [a terra]”, diz. A fazenda perdeu 1.500hectares com a homologação feita pelo governo federal, que agorafoi suspensa pelo Supremo até que o plenário julgue finalmente oassunto. Otacílio disse que a fazenda sempre foi produtiva coma criação de gado, mas a situação mudou desde que começou adisputa com os índios: parte da área foi ocupada e ele não podemais trabalhar no terreno. “Se você for ver a minha terra, ela vaiestar improdutiva, mas isso é de 2001 para cá, quando começou oproblema.” Os índios sustentam que ocupam asterras há mais de 100 anos. O líder Guaranai Kaiowá AnastácioPeralta conta que eles foram retirados de lá na época em queforam demarcadas oito reservas na região, entre 1910 e 1927. Assim,os índios que viviam fora das áreas demarcadas foram removidos peloantigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI, substituído em 1967 pela Funai) para que as terrasfossem liberadas para colonização. “Então nãodemarcaram nossas terras. Fomos expulsos pelo próprio órgão [SPI]e pelos fazendeiros. Há mais de 100 anos que estamos na nossa terra,mas fomos expulsos. Eles também não estavam aqui, são todos defora”, acusa o índio.A CNA comemorou a decisão e reforçouo pedido de que Supremo crie uma súmula vinculante para o assunto.Assim, diversas questões parecidas não precisariam chegar àinstância final, sendo resolvidas mais rapidamente com base nasorientações da Suprema Corte. Em nota, a Funai afirma queo amplo direito de defesa e do contraditório foi respeitado duranteo processo de homologação da terra e que “não existem, portanto,vícios de maculação nos processos em questão”. A nota lembraque a Procuradoria Federal Especializada da Funai vai recorrer dadecisão referente à Terra Indígena Anaro, em Roraima, e que jáentrou com recurso no caso da Arroio Corá, de Mato Grosso do Sul.Conforme o texto, a Funai espera que a Advocacia-Geral da União(AGU) apresente os recursos cabíveis para o plenário do SupremoTribunal Federal.