Alimentos orgânicos: reportagens incentivam o debate

08/01/2010 - 9h30

Paulo Machado
Ouvidor da Agência Brasil
Brasília - No final do ano de 2009, uma série de reportagens da AgênciaBrasil mostrou aos leitores aspectos de uma parte do universo de problemase soluções dessa forma de produção de alimentos. Produtores e consumidores, aoexercerem seu direito de escolha conscientes de sua responsabilidade para com anatureza, estão consolidando não só um modelo de negócios, mas, principalmente,uma filosofia de vida.A reportagem reuniu experiências diversas, em diferentes regiões,para informar sobre a produção, comercialização e consumo de alimentosorgânicos. As matérias trazem histórias de produtores e consumidores que estãomudando hábitos tradicionais em busca maneiras menos agressivas e maissustentáveis de segurança alimentar.  Quem chamou a atenção desta Ouvidoria para a cobertura foi oleitor  Fábio Michel Machado que  escreveu: “Sou revendedor de produtosorgânicos em São Paulo, capital e, ao ler a matéria sobre as expectativas decrescimento do setor, na manhã desta segunda-feira (28 de dezembro) deparei-mecom um equívoco. O texto termina com um diretor da Firjan afirmando serempositivas as pesquisas sobre alimentos transgênicos, o que contraria a práticada agricultura orgânica. Transgênicos não são alimentos resistentes a pragas,como diz o texto, mas sim - e basicamente - geram plantas mais resistentes aagrotóxicos. A monocultura imposta pelo agronegócio criou a necessidade deimplementos químicos cada vez mais agressivos e as plantações morrem por contado envenenamento que recebem para evitar o ataque de pragas. O próprioMinistério da Agricultura distribui um material sobre alimentos orgânicos quecita nominalmente que os transgênicos não estão incluídos entre os alimentos'saudáveis'.”O leitor, referiu-se à matéria  Orgânicos - Setor espera grandedesenvolvimento a partir do ano que vem, publicada dia 28 de dezembro,com  a opinião do Coordenador do GrupoExecutivo de Agroindústria da Federação das Indústrias do Estado do Rio deJaneiro - Firjan,  o economista AntônioSalazar, que fez a afirmação considerada como “equívoco” por Fábio Michel. Ao analisarmos as  18 notícias publicadas entre os dias 24 e 28de dezembro sobre o assunto constatamos que as declarações referentes à origemdos transgênicos foram feitas pela fonte ouvida na matéria e que a reportagemapenas as reproduziu. Explicamos isso ao leitor, mas sugerimos à ABr queaprofunde as informações sobre as diferenças tecnológicas entre a produção deorgânicos e de transgênicos para dirimir eventuais dúvidas.Da maneira como essa informação aparecena notícia realmente leva a crer que as pesquisas para o desenvolvimento daprodução dos dois tipos de alimentos caminham no mesmo sentido - ambientalmentesustentável, enquanto na realidade sabemos que os resultados são diametralmenteopostos. Segundo o coordenador da Firjan: “Nãosó os produtos orgânicos estão em desenvolvimento. Os produtos convencionaistambém estão e a prova é que a agricultura procura utilizar cada vez menosdefensivos, embora eles sejam necessários numa produção em larga escala. E apesquisa científica, que leva aos transgênicos, busca exatamente produtosimunes às pragas e doenças evitadas pelos defensivos. Na minha opinião, é falsaa dicotomia entre transgênicos e orgânicos”.Mas, como lembrou o leitor “transgênicosnão são alimentos resistentes a pragas, como diz o texto, mas sim - ebasicamente - geram plantas mais resistentes a [determinados] agrotóxicos.” Seoriginalmente os transgênicos foram vendidos como benéficos para o meioambiente porque consumiriam menos agrotóxicos, na prática o que se verificoucom seu uso em larga escala é que o uso de venenos pela agricultura brasileiraaumentou, elevando o país à triste posição de ser o maior consumidor mundial.Além disso é sabido que os agrotóxicos empregados nas lavouras transgênicas sãomuito mais  poderosos e agressivos poistêm a capacidade de matar quase tudo que delas se aproxime ou esteja presente,à exceção da planta que teve seus genes modificados para resistir especificamenteàquele determinado veneno, fornecido pela mesma indústria que desenvolveu assementes.Faltou ainda a reportagem aprofundar aquestão da regulamentação e certificação proposta pelo governo que deveria terentrado em vigor a partir de 1º de janeiro e fora adiada por um ano. As causasdo adiamento e a análise do conteúdo da proposta poderão oferecer subsídiosimportantes para os debates que provavelmente sucederão no decorrer deste ano –ao tratar da  questão tanto o governopoderá ajudar expandir e consolidar a agricultura orgânica como poderá criarmais entraves e dificuldades para o setor. Algumas dessas dificuldades como, porexemplo, a carência de linhas de crédito específicas, a falta de preparo dosagentes financeiros e a precariedade da assistência técnica, são descritas nasérie de reportagens bem como as medidas que diversos ministérios estão tomandopara tentar saná-las. O debate sobre a questão da estruturafundiária, um dos principais gargalos para a expansão da agricultura familiare, possivelmente, orgânica, não aparece nas matérias que ressaltam apenas aquestão do uso intensivo de mão de obra e portanto, de geração de empregos emcontraposição ao agronegócio. O Ministério do Desenvolvimento Agrário não foiouvido pela ABr, mas talvez pudesse fazer uma análise crítica sobre anecessidade de se rever o modelo de uso e de ocupação das terras concentradasna mão de grandes empresas do agronegócio e do latifúndio improdutivo, conformemostrou o ultimo censo agropecuário do IBGE.Mas se houve pequenas lacunas na escolhadas fontes elas são suplantadas pela diversidade e quantidade de pessoasouvidas. Ao todo foram 52,  27 diretamente envolvidas na cadeia produtiva: produtores (8);fabricantes (2); comerciantes, feirantes, gerentes e administradoresde empresas e de entidades de distribuição (7); consumidores (6) eprofissionais de gastronomia (4). As demais são:  3 pesquisadores e uma profissional liberal - veterinária - ligadaà saúde animal e 14 representantes de órgãos governamentais, sendo 10 deles doMinistério da Agricultura.  Algumasforam citadas mais de uma vez.Devido à falta de apoio técnico, seria razoável supor queuma parcela significativa dos produtores de orgânicos possam ter queixas emrelação às novas regras de certificação. Porém, apesar dos produtoresconstituírem 15% das fontes ouvidas (8 em 52), apenas uma, de uma comunidade dequilombolas no interior do estado de São Paulo, mencionou a implantação do novosistema.Os demais produtores ouvidos pela ABr, de modo geral,não comentaram as novas regras de certificação a não ser como uma exigência quepode contribuir para o encarecimento dos preços dos produtos orgânicos. Segundo o que se pode depreender do que disseram as fontesgovernamentais há uma desinformação generalizada sobre o assunto havendo anecessidade de melhor informar produtores e consumidores sobre a importância dacertificação – uma tarefa urgente, que a mídia pode realizar.O conteúdo das reportagens é um ponto partida para um debatea respeito da necessidade de uma mudança significativa nos processos produtivospor um lado e, por outro, nos hábitos alimentares e na qualidade de vida dosconsumidores.O caminho que a Agência Brasil percorreu partindo deexperiências locais e regionais para discutir o assunto de maneira mais amplafavorece que o leitor se identifique com a problemática e eventualmente busquese aprofundar.  Até a próxima semana.