Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Em nossa coluna A opinião fotográfica,há duas semanas, tratamos do tema a partir das mensagens recebidas de leitoresque se indignaram com fotos publicadas pela Agência Brasil contendo,vamos dizer, algo mais, do que a informação jornalística. Reproduzimos a seguirquatro mensagens recebidas de leitores contestando afirmações que fizemos, eque não fizemos, mas que inspiraram os leitores a se manifestarem.Antes de tudo, queremos agradecer àqueles que se dignaram aopinar e ajudaram a enriquecer o debate sobre o que deve e o que não deve serfeito em termos de fotojornalismo, especificamente, em uma empresa pública de comunicação. Vamos às mensagens:
“Asfotos ultrapassam o objetivo de informar. Na última Coluna do Ouvidor, o relatode leitores que se sentiram incomodados com as fotos, nos provoca certainquietação. É preocupante que em pleno ano 2009, 21 anos do implemento denossas garantias constitucionais tão almejadas, o fotojornalismo cause essetipo de polêmica. As fotos, assim comoos textos, estão impregnados do olhar ou da caneta de quem os faz. É impossíveltirar o caráter subjetivo de qualquer coisa feita por seres humanos, é atéinócuo pedir isenção. Se isso fosse possível, maquinas realizariam esse trabalho,afinal objetividade, nesse sentido, é querer que o sujeito aja como serealizasse um ato mecânico desprovido de raciocínio. E isso, creio, éimpossível. Imparcialidade é outra história. E ao contrário do que diz o textodo ouvidor, não houve julgamento ideológico em nenhuma das fotografiasdebatidas. As fotos, ao contrário disso, são o retrato da realidade. A primeiratraz um dos líderes tucanos na frente do retrato do mascote de seu partido,qual o problema? Na segunda, há uma luz em cima da cabeça do sr. ministro. Nãoacredito que isso seja desagradável, afinal, é bem necessário que suaexcelência tenha muita luz na hora de analisar seus julgados. E infelizmente,se houve debates calorosos semanas antes da foto, a culpa não é do fotógrafo.Se a foto remete o leitor a um fato da realidade, é porque isso aconteceu, ouserá delírio coletivo? A terceira foto é a melhor delas. Sinceramente, qual oproblema da foto? Ainda não consigo entender. Tá certo, o secretário de Estadonorte -americano é naturalmente mais alto que o chanceler brasileiro, e oprimeiro plano aumentou ainda mais essa diferença genética. Decorre disso queimediatamente nos lembramos da nossa inferioridade em relação à super-potência.Sim. Outra realidade. Não há, em nenhuma das fotos, mensagens subliminares. Aocontrário, até crianças em idade pré-escolar sabem muito bem a posição dos EUAno mundo. O que causa o desconforto é justamente esse cara a cara com arealidade. A foto, pelo seu caráter lúdico, tem o poder de penetração em nossasmentes que as palavras não têm. Ler dá trabalho, não? Os fatos discutidos naimprensa brasileira, relatados pelas agências de noticia são recorrentes edeveriam gerar na população um debate reflexivo. Mas se a fotografia der esseprimeiro passo, creio que o serviço prestado pela equipe da Agência Brasilfunciona como aquele da professora da alfabetização. Um primeiro passo noprocesso na construção da cidadania.
MariângelaAndrade - Advogada“Discordo completamente da Coluna do Ouvidor que faz críticasàs excelentes fotos da Agência Brasil. O autor do texto demonstradesconhecimento de fotografia ao dizer que o trabalho de um fotojornalista 'nãopode ultrapassar o real fotografado com mensagens subliminares'. Imagino que oouvidor nunca foi fotógrafo, em Brasília especialmente, para gastar seu tempoescrevendo esse tipo de coisa. Pelo jeito, ele gostaria que a Agência Brasilreproduzisse em suas imagens o tom existente em parte de seu noticiário, em queresvala num puro relatorismo por temor de interpretar de fato a realidade. Issoocorre, imagino, por uma visão deturpada de independência ou por um medo deparecer estar criticando demais ou atacando demais o governo. Na dúvida,opta-se pelo caminho mais chato ao dar as notícias. As fotos da ABr são uma exceçãoa isso. Os fotógrafos fazem o que todo fotógrafo de imprensa em Brasília lutapara fazer todo o dia: transformar assuntos absolutamente não imagéticos epotencialmente enfadonhos em boas fotos. E conseguem fazer isso muito bem,bastante acima da média dos fotógrafos da capital. Em vez do oficialesco e dafalta de personalidade, produzem as mais criativas fotos produzidas na cidade.Por isso peço que o ouvidor não confunda a função pública que a EBC sem dúvidatem que cumprir com uma prática de um jornalismo anódino que, pelo visto, játomou conta das cabeças pensantes e mandantes da redação da agência.”Alex Rodriguez“Senhor ouvidor, Em relação ao seu artigo do dia 14.08.09,eu acho que o fotojornalismo tem a função de contextualizar a notícia, assimcomo também informar. Mas ela não é apenas um acessório do jornalismo escrito.Também acho ilusório pensar que o leitor é burro e ao colocar uma auréola sobrea cabeça de um ministro a informação é deturpada. 'Desde o início a imagem foiao mesmo tempo meio de expressão, de comunicação e também de adivinhação einiciação, de encantamento e cura (Martin Barbero)' - 'A semântica da imagemé particularmente polissêmica e toda fotografia é um certificado de presença(Roland Barthes)' e por isso acho que a imagem fotográfica é uma mensagemaberta. As interpretações dos leitores vem do background de cada um e daimagem mental construída pelos meios de comunicação, por cada um de nósjornalistas, ao longo dos anos, certo? A imagem, diferente do texto, é umamensagem multicodificada. Ela não mostra somente as verdades fotografadas,mostra também as verdades que cada leitor percebe ou conhece daqueladeterminada cena visual. E é atribuição da comunicação pública mostrar averdade do que acontece e estimular o debate público e deixar de ser apenasinformacional e segundo nosso mestre Barthes 'o fotojornalismo político atual écontingência pura, e detalhes que constituem o próprio material do saberetnológico'. A imparcialidade não existe, nunca existiu e nunca existirá. Abraço da fotógrafa Sônia Baiocchi “Discordo da afirmação 'No fotojornalismo a função dafotografia é documentar com imagens as informações contidas no texto danotícia. O repórter fotográfico não se aprofunda em considerações estéticas,pois seu objetivo é comunicar e transmitir mensagens informativas de interessedo leitor.' No fotojornalismo o repórter tem a obrigação de transmitir idéias efatos por meio da imagem e nesse caminho há a oportunidade de dizer muitacoisa. A estética é essencial para agradar ou, no mínimo, transmitir harmoniaao olhar do leitor. Sem a concepção de que o repórter fotográfico tambémtransmite uma mensagem, ele passa a ser um simples 'fazedor de bonecos' e suasimagens fogem ao princípio de transmitir a mensagem. Ele possui a oportunidadesim de compor quadros com metalinguagens que façam sentido e que sugiram umadiscussão de idéias, como as fotos do ministro e do senador.”Thaise TorresFazendo um paralelo, suponhamos que o leitor esteja lendo otexto de uma notícia na Agência Brasil sobre desavenças entre opresidente do Supremo Tribunal Federal e um ministro que o acusou de estardestruindo a credibilidade do Judiciário e a certa altura o repórter sentencia:o ministro Gilmar Mendes é um santo. Vamos supor agora que a notícia trate dadiplomacia brasileira fazendo objeções à implantação de bases militares norte-americanas em nosso continente e o repórter diga: os argumentos do ministroCelso Amorim foram irrisórios ante a grande determinação norte-americana. Porúltimo, vamos supor que a matéria seja sobre uma representação do PSDB contra opresidente do Senado acusando-o de cometer irregularidades e o repórterescreve: o tucano Álvaro Dias deu uma bicada no Sarney. Com todo respeito às autoridades citadas para que não sesintam ofendidas com nossas suposições, nosso objetivo aqui é apenas ilustrarcom palavras possíveis interpretações das fotos em questão, conforme a opiniãodos leitores que protestaram contra sua publicação classificando-as como umaeventual brincadeira.Já para os leitoresque parabenizaram a ABr pela publicação e divergiram quanto à função dofotojornalismo em uma empresa pública de comunicação, essas mesmas fotosinspiraram outras leituras. Não cabe aqui julgarmos se melhores ou piores, maisrealistas, objetivas ou subliminares.No paralelo que traçamos com nossas suposições procuramosdemonstrar que assim como no texto do repórter, a fotografia não deve conteropiniões pessoais do profissional que a produz. Se na matéria escrita os adjetivosrefletem um julgamento de valor do repórter, na imagem os adereços sub-postosnão teriam a mesma função? A citada metalinguagem não seria uma tentativa deinduzir o leitor a uma determinada interpretação da realidade que inspirou oolhar do fotógrafo? Uma foto do ministro com um fundo neutro é apenas uma fotodo ministro – exatamente o que, provavelmente, constava na pauta . Já uma fotodo mesmo Ministro, com uma auréola de luz sobre sua cabeça é outra coisa, quecertamente não constava da pauta. Então nos perguntamos: que outra coisa éessa? O que o adereço acrescenta à informação? Não estaria ali localizadaexatamente a opinião pessoal do fotógrafo?A questão que colocamos para reflexão é de que a comunicaçãopública carece de regras e de paradigmas para nortear editorialmente sua funçãode informar com objetividade, isenção, imparcialidade e impessoalidade. Elasnão existem? Objetivamente não, mas são como uma linha do horizonte para ojornalismo que deve persegui-las obstinadamente, mesmo sabendo que nunca iráalcançá-las. São paradigmas, que definem limites e objetivos que integram aética no jornalismo. Quando utilizados, seus efeitos são invisíveis, quaseimperceptíveis, mas sua ausência pode ser desastrosa. Em nenhum momentolevantamos qualquer dúvida quanto à competência dos profissionais que fazem ofotojornalismo da ABr, mas sim a função das regras editoriais noprocesso de edição e publicação ou não das fotos.No jornalismo os procedimentos são coletivos e baseados emetapas de produção previamente acordadas entre os profissionais. Quando o chefede reportagem distribui uma pauta para um repórter ele estabelece o que oveículo espera que ele traga para compor a notícia, ou seja, qual informaçãopoderá ser encontrada em determinado lugar, a partir de determinadas fontes. Éclaro que informações inéditas e inusitadas poderão advir e serão bem-vindas,mas desde que façam parte do contexto e sejam protagonizadas pelas pessoas quecompõem a notícia, não pelo repórter. O repórter não faz parte e não devetentar influenciar os acontecimentos. Deve, sim, ser o mais neutro possível paranão interferir no fato reportado. Muitos argumentam que a simples presença dorepórter ou do fotógrafo já representa uma intervenção na realidade reportada.E realmente representa. Só que quanto mais discreta for essa intervenção maisfidedigna será a imagem da realidade. Ou não? Os leitores sabem que a fotografia não é a realidade masapenas um recorte dela produzido pelo olhar do fotógrafo. A intensidade, alocalização e as cores da luz, aposição superior ou inferior do fotógrafo em relação ao objeto fotografado e aprópria superposição de planos são algumas das técnicas utilizadas pelosprofissionais que podem mudar decisivamente o contexto da imagem e portanto damensagem. Mas há que se perguntar quais são os limites éticos desse tipo deinterferência? Onde termina o fotojornalismo e começa a fotografia artística?A discussão sobre o fotojornalismo na empresa pública podeajudar a construir a comunicação pública com paradigmas que a diferenciem damídia que visa simplesmente o lucro por meio da venda da audiência. Cabe a elaformar e informar nunca induzir ou tentar convencer. Por isso, e por respeito àconsciência crítica do cidadão, é que adjetivos e adereços precisam serevitados. As qualidades profissionais de repórteres e editores em uma empresapública de comunicação devem estar associadas à discrição pessoal em relação aofato reportado. No processo de produção da notícia o que deve prevalecer é aqualidade do jornalismo que se pratica que dará credibilidade ao veículo – aqualidade dos profissionais estará implícita. Personificar esse processo poderepresentar que os jornalistas arvoram para si maior importância do que para ojornalismo. Portanto, precisamos diferenciar a fotografia artística de fotojornalismo e, este último, do fotojornalismo praticado em umaempresa pública com paradigmas que se apliquem soberanamente a todas aslinguagens e a todos os profissionais, de todos os veículos da EBC, semexceção. Todavia isso não deve ser confundido necessariamente com a prática deum jornalismo “anódino” ou “oficialesco” como sugeriram os leitores, pois ojornalismo não existe se tentarmos eliminar sua humanidade, onde está implícitaa criatividade e a sensibilidade do profissional. Mas até para sentirem-selivres e desenvolverem suas habilidades, eles precisam de regras editoriais quereferenciem seu trabalho a partir dos princípios e objetivos da comunicaçãopública.A única resposta que obtivemos da Agência Brasil àsmensagens dos leitores sobre esse debate foi: “ agradecemos a colaboração doleitor, mas suas considerações se referem à Coluna do Ouvidor”.Até a próxima semana.