"Milagre" pós-1964 concentrou renda em período de expansão econômica

31/03/2009 - 7h35

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O períodomilitar de 1964 a 1985 abrigou grandes contradiçõesna sociedade brasileira, como a modernização da economia a custo doagravamento da desigualdade social. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os 20% dos brasileirosmais pobres tinham 3,9% do total da renda nacional em 1960. Vinteanos depois, em 1980, esse mesmo um quinto da populaçãoconcentrava apenas 2,8% de toda a renda produzida no país.

Em 1974, após o chamado“milagre econômico”, o salário mínimo tinha ametade do poder de compra de 1960. Nos anos domilagre (1968 a 1973), a taxa de crescimento econômico ficouem torno de 10%, com picos de 14%, e a indústria detransformação expandiu quase 25%.

As contradiçõeseconômicas de um país que ficava mais rico e a populaçãomais pobre têm explicações políticas, avalia o presidente doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), MárcioPochmann. “A ausência de democracia impossibilitou haverpressão de baixo. A política autoritáriaacabava consagrando os resultados econômicos.”

Para a economista Leda Paulani, da Universidade de São Paulo (USP), os momentos de maiorcrescimento econômico são propícios para expansão do emprego e da renda, “porque a demanda portrabalho é muito alta, não há risco dedesemprego”. A ditadura, no entanto, impediu essa associaçãovirtuosa ao reprimir a organização política e aluta sindical. “Os trabalhadores não podiam lutar pormaiores fatias do bolo, os sindicatos estavam amordaçados”, lembra.

Leda assinala que “as condiçõeseconômicas para o milagre foram colocadas no períodoanterior à ditadura”, referindo-se à capacidadeinstalada da indústria e ao contexto da economiainternacional. Em sua opinião, o milagre melhorou em termosabsolutos a situação de setores que tiveram acesso aocrédito. “O crescimento por si só era bom. O créditoacabava melhorando a vida material. Mas ,em termos relativos ,asdesigualdades se aprofundaram nos estratos mais pobres. Não se aproveitou aquele momento decrescimento para resolver a desigualdade distributiva.”

Segundo Pochmann, nogolpe militar de 1964 [assim como na Revolução de 1930]  predominou uma convergência política em torno docrescimento econômico, como mecanismo de postergar as soluçõesdos problemas sociais e de manter a concentraçãopatrimonial e a desigualdade de renda. “O crescimento era umaconvergência que impedia a oposição frente aosresultados sociais insatisfatórios e à própria ausênciade democracia.”

Osministros da economia eram pessoas muito elitistas, pensaram odesenvolvimento econômico por meio da liderança decertas elites estratégicas. No caso do campo, virouagrobusiness, no caso da indústria, foi a consolidação[do mercado de bens de consumo] e a abertura para o exterior”,complementa Benício Schmidt, cientistapolítico e professor daUniversidade de Brasília (UnB).

Conforme Schmidt,a escolha pelo crescimento sem distribuição de rendateve conseqüências econômicas e sociais bastante graves. “Hoje ,nossa economia estápraticamente monopolizada, fruto dessa acumulaçãoconcentrada. É claro que isso aí não gerou osempregos que deveria, não ajudou a renda como deveria etrouxe muitos problemas. Não serviu para pressionar o sistemaeducacional para atender uma demanda que nunca existiu. Isso tudo foiacumulando e deu no que deu: uma das concentrações derenda mais altas do mundo”, lamenta.

Além da questãoeconômica e social, o cientista político faz a ligaçãoentre o modelo econômico e a repressão durante aditadura. “A elite militar estava sustentada no empresariado, comgrandes conexões internacionais. Um número reduzido deempresários que financiaram a OperaçãoBandeirantes (Oban)”, diz, referindo-se à formaçãoparamilitar dos órgãos de repressão em SãoPaulo, financiada por grandes empresas, inclusive multinacionais,para combater a resistência à ditadura.“Osempresários financiaram o golpe de Estado e com eleexpandiram muito seus negócios, tiveram nos militares umagrande segurança, um grande guarda-chuva de proteção”,avalia Schmidt.