Luciana Lima
Enviada Especial
Salvador - Os trios elétricos, que caracterizam o carnaval de Salvador, não existiriam hoje não fosse a invenção do pau elétrico, que deu origem à guitarra baiana. A opinião é de Armandinho, um dos herdeiros dos responsáveis pelo feito: o técnico em eletrônica Dodô e seuamigo metalúrgico, Osmar Macêdo.“O pauelétrico foi a grande revolução. Antes do trio, a revolução foi a descobertadesse instrumento maciço”, destacou, em entrevista à AgênciaBrasil, o músico que é filho de Osmar Macêdo e um dos componentes do trio Armandinho, Dodô e Osmar.Ele conta que a descoberta ocorreu por volta de 1938, quando Osmar conheceu Dodôno conjunto Três e Meio, de Dorival Caimmy.“Dorival foi para o Rio de Janeiro e meu pai foi para olugar dele. Aí conheceu Dodô e ficaram amigos. Os dois já falavam nessacaptação que botava no violão, eletrificava o som e o aumentava. Eles queriamtocar nos lugares, o povo começava a beber, a falaralto e eles percebiam que o violão não tinha som”, contou Armandinho.Segundo ele, nessa época, os captadores elétricos ainda não existiam naBahia. Em 1942, o violonista Benedito Chaves foi tocar no antigo Cine TeatroGuarany, localizado na Praça Castro Alves. Era a primeira vez que o técnico emeletrônica Dodô viu o instrumento e ficou entusiasmado com o aparelho paraamplificar o som.“Dodô foi ver Benedito Chaves e seu violão elétrico que eraa grande sensação da época. Quando acabou o show eles foram lá falar com oBenedito para pegar o jeito de fazer aquela captação. Dodô descobriu logo comose fazia aquilo. Foi fácil para ele que já fazia bobinas. Ele mesmo começou afazer os captadores e botava no violãodele e no cavaquinho de meu pai”, relatou Armandinho.Aumentar o som, Dodô já havia conseguido. A partir daí o problema eraoutro: resolver a questão da microfonia. “Era só colocar na caixado violão que apitava. Aí meu pai resolveu encher a caixa do cavaquinho deflanela. Ele entupiu o cavaquinho e descobriu que se abafasse, poderia aumentarmais o volume, tinha mais um ganho. Pensou: vamos fazer sem a caixa, tudomaciço. Acho que vai dar certo. Fizeram a experiência em uma bancada, colocaramum parafuso de um lado e do outro, esticaram uma corda, colocaram o captadorembaixo e aumentaram o volume todo do aparelho e viram que não apitava”,contou.Com a descoberta, os dois amigos pensaram que haviamencontrado o caminho para um instrumento com um som alto e sem distorções.Restava então fabricá-lo. Foi então que Osmar foi à lojaPrimavera, na Praça da Sé, para comprar um cavaquinho e um violão. Oobjetivo era quebrar o bojo dos dois instrumentos e extrair apenas o braço.“Eles não sabiam fazer o braço. Queriam tirar só braço para completar como cepo, cortado de jacarandá maciço”, disse Armandinho.Segundo ele, a façanha quase acabou na Polícia, porque o pai chegou na loja querendo quebrar o violão que estava à venda. "Chegou perguntando para o atendente: Esse violão é bom? O menino dizia para ele não bater daquela forma noviolão porque poderia estragar. Ele bateu com o violão na quina do balcão edisse para o menino: Você falou que era bom. Aí, quebrou. O menino ficou pálidoe foi chamar o dono”.Quando o dono da loja chegou, nem viuque era Osmar, já conhecido na loja e foi direto chamar a polícia. O músico teve que correr atrás dele explicando a brincadeira e dizendo que queria mesmo ficar com os instrumentos quebrados. Com o braço deles e o cepo feito demadeira maciça, os dois amigos começaram a fazer sucesso entre os amigos comsom amplificado. “Foi aí, que os amigos, em tom de esculhambação, colocaramo nome de pau elétrico. Eles brincavam dizendo que o pau de Dodô era um violãoe o de Osmar era um cavaquinho”, contou Armandinho, “Na verdade a gente chamavade violão elétrico e de cavaquinho elétrico”, completou.Osmar Macêdo e Dodô não registram a patente da guitarra e dotrio elétrico e a família preferiu respeitar o comportamento dois. “Quem tinhaque fazer isso eram Dodô e Osmar, mas eles nunca imaginaram que toda essatransformação iria acontecer”.De acordo com Armandinho, há a suspeita de que eles teriam criado a guitarra maciça antes de Leo Fender, dono da marca americana mais famosae dona da patente. Segundo Armandinho, em 1945, após a 2ª Guerra Mundial, Dodôvendeu uma guitarra maciça para um marinheiro americano que estava no Brasil.“O que se sabe é que esse marinheiro comprou uma guitarra namão de Dodô e levou para os Estados Unidos. Sabe-se lá se não era o Leo Fender.Só sei que no terceiro ano de trio elétrico é que eles tiveram o conhecimentode que os americanos tinham feito a guitarra maciça. Simplesmente disseram umpara o outro: Viu? Nós estávamos no caminho certo. Se eles descobriram eraporque nós estávamos certos”, contou Armandinho.Atualmente, existem estudos para tombar a guitarra baianacomo patrimônio artístico e cultural da Bahia.