Dia de sol facilita distribuição de alimentos e vítimas falam da tragédia no Vale do Itajaí

01/12/2008 - 22h11

Lúcia Norcio
Enviada Especial
Ilhota (SC) - O dia ensolarado na região do Vale do Itajaí (SC), permitiu hoje (1º) que aeronaves que prestam socorro às vítimas das chuvas levassem alimentos, roupas e água às comunidades que ainda estão isoladas devido à queda de barreiras.Segundo o major-brigadeiro das Força Aérea Brasileira (FAB), Raul Dias, nas áreas de alto risco - “áreas vermelhas” - estão só os moradores que ainda resistem em deixar suas casas e se escondem quando percebem a chegada do resgate.O oficial se refere, principalmente, ao Vale do Baú, em Ilhota, onde ocorreram 37 das 114 mortes confirmadas até agora pela Defesa Civil de Santa Catarina.Tendo como “guia” um dos muitos heróis anônimos da tragédia, Cláudio Moji, 38 anos, a reportagem da Agência Brasil conversou nesta segunda-feira com alguns dos sobreviventes da região.Moji conta que, no sábado retrasado (22), além de salvar sua família (incluindo um irmão deficiente que precisou ser carregado) tentou resgatar parentes e vizinhos, mas não foi ouvido por cinco de seus parentes que acabaram atingidos pelos deslizamentos de terra. Ele diz que quando viu rachaduras na rua onde seu tio, 82 anos, morava, em Alto do Baú, correu para avisar. A última cena que lembra é do tio fechando a janela porque não entendeu a gravidade da situação.No domingo (23), relata Moji, ouvi-se um estrondo, a terra tremeu e as casas começaram a cair uma em cima das outras com as pessoas dentro. “Parecia um dilúvio, pensamos que o mundo estava se acabando”, diz ele fazendo referência a explosão no gasoduto ocorrida na região.Numa das tréguas que a chuva deu, Moji conseguiu pegar alguns mantimentos e água e improvisou, em cima de um morro, um abrigo feito de telha de amianto. Ele e mais dez pessoas permaneceram lá, fizendo fogo e fumaça, até serem localizados por um helicóptero na terça-feira à tarde.Além dos amigos e conhecidos, o rapaz fala das perdas pessoais. “Perdi, só de plantação de raízes, eucalipto e arroz, uns R$ 50 mil. E onde era minha casa agora é barro”, lamenta.Walmor Miranda, 48 anos, mostra as mãos cortadas por arame farpado. “Era o que tinha para me segurar e não ser levado pela enxurrada no domingo (23). Veja, é só numa das mãos, porque tirei minha família no colo, antes que as águas cobrissem a casa”.Segundo ele,  a mulher, dois filhos e a mãe estão vivos, mas a casa não existe mais. “Nem dá para voltar mais lá, perdemos tudo. Sou trabalhador, se fosse o caso, ia reconstruir tudo, mas lá só tem barro”.Maria Odete Richartz sempre morou no Braço do Baú. Hoje mora com outras 150 famílias no salão da Capela Cristo Rei. O abrigo, segundo o coordenador, Cristiano Rebelo, é atendido por voluntários desde o final de semana da tragédia. “Mesmo os que vão para casas de parentes, continuam recebendo as doações. Temos cerca de 450 famílias cadastradas”.Odete lembra que também ouviu a explosão no domingo (23). “Já vinhamos convivendo com chuvas desde agosto, mas o que vimos neste dia foi diferente de tudo. Estrondos, gritos, parecia coisa distante, de filme de terror”.Na segunda-feira ela abandonou a casa e procurou lugar mais seguro. No caminho viu o que parecia um manequim pendurado numa árvore. Quando se aproximou reconheceu o menino, 13 anos, da família “Zabe”. Os pais e os dois irmãos também morreram soterrados.Sivana Severino, 27 anos, braço engessado, conta sua longa história e no final chora, lembrando da mãe que morreu e cujo corpo ainda não foi resgatado. “Sei que a prioridade agora é com os sobreviventes mas é triste saber que quem amamos está lá”.As histórias são muitas. Todos querem contar a sua com a riqueza dos detalhes. “A gente precisa falar, dona, alivia a dor”, comenta uma senhora.Às vezes a emoção contagia a todos. Como o momento flagrado por nossa reportagem. O reencontro de pai e filha que ainda não tinham se encontrado desde o final de semana da tragédia. Hoje Cleá Alves abraçou em prantos Francisco Alves, 78 anos. “Pai, você está vivo, você está bem, agora sim, parece um sonho bom pai!”.