Pedro Peduzzi
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Em1997, um jornal paulista publicou um anúncio de vagapara “empregada doméstica branca”. Em busca de trabalho,Simone Diniz entrou em contato com a pessoa que ofereceu a vaga e, por telefone, foi informada de que sua contrataçãohavia sido aprovada. Ao revelar que era negra, Simone foi rejeitadade imediato. Ela entrou com uma ação na Justiça do Trabalho no estado de São Paulo, mas, sem obter sucesso, acionou a Comissão Interamericana de DireitosHumanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Oresultado da iniciativa de Simone foi a condenação daRepública Federativa do Brasil por violação de direitos humanos.“Esteé um caso exemplar, que mostra o quão omissa pode ser a Justiça trabalhista, tratando de forma diferenciada negros ebrancos”, argumenta o advogado e professor de direito no Distrito Federal Douglas Martins. Para ele, a atitude de Simone tem, acima detudo, “um grande valor didático”, pois “denuncia deforma clara quão limitada pode ser a percepçãoda sociedade e da Justiça trabalhista sobre o racismo”. “NaJustiça do Trabalho, quando se trata de relaçãode emprego, não é comum lides que tenham como matériade fundo conduta discriminatória em decorrência deraça”, informa o ministro do Tribunal Superior do Trabalho(TST), Carlos Alberto Reis de Paula – o primeiro ministro negro afazer parte de uma corte superior. “Masnão significa que isso não ocorra, quer na contrataçãodo empregado, quer durante o contrato ou mesmo por ocasião daextinção do vínculo empregatício”,completa. Em Salvador, mais de 70% da população é negra. Noentanto, a proporção de trabalhadores negros emshoppings centers e bancos, principalmente nos setores deatendimento ao público, era absolutamente inferior em 2005. “Osnegros não estavam ocupando esses postos e isso evidenciava oracismo institucional desses ambientes. Acionado, o MinistérioPúblico do Trabalho propôs uma ação civilpública para que as contratações refletissem adiversidade da população baiana. A intençãofoi simplesmente fazer com que bancos e shoppings contratassemnegros também”, explica Martins. Aação foi julgada improcedente “porque a magistraturatrabalhista de lá achou que não havia qualquerdeliberação discriminatória, alegando que osnegros não eram empregados nos setores de atendimento aopúblico por contingências da vida ”, lembra o ministro.“Ojuiz declarou que o fato de a população serpredominantemente negra e, nos espaços públicos, haverimposição estética branca, não representaracismo”, acrescentou. “Éclaro que não se pode esquecer que os juízes vêm de uma sociedadeque, apesar de todos os avanços nessa área, tem umaconduta discriminatória para com os negros, geralmente deforma velada. E isso pode, obviamente, influenciar os juízosde valor do julgador. Essa circunstância é relevante etorna indispensável que os juízes sejam despertados parao fato. Para isso, as Escolas de Formação dosMagistrados são fundamentais”, alertou o ministro do TST.ParaMartins, “há muitas pessoas que não apenas se dizem [não racistas],mas, de fato, não se sentem racistas”, e “essaimperceptibilidade acaba causando a naturalização dealgumas práticas racistas ainda mais evidenciadas quando seobserva casos como o do juiz baiano, insensível àdiferença entre os postos de trabalho ocupados por negros ebrancos”. Carlos Alberto entende que em muitos casos este fenômenoé, em parte, influenciado pela “falta de consciênciados que estão sendo ou foram discriminados”. Segundo Reis, “éfundamental que as pessoas estejam cientes de seus direitos e de quea Justiça é o meio adequado para que o princípioda cidadania, ofendido quando há discriminaçãoracial, seja afirmado”. A advogadamilitante do movimento negro Vera Santana Araújo destaca que nas reações de trabalho várias medidas devem ser acionadas além das ligadas aoaspecto criminal comum, pois o caso também pode configurar faltaadministrativa, agravada se cometida no âmbito da administração pública. "Em qualquer hipótese, além da sançãocriminal também deve ser feito o ajuizamento de açãopor danos morais e materiais conforme cada caso, avaliadas todas ascircunstâncias que envolvam o fato”, sugere a advogada.Osecretário executivo doPrograma de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci),Ronaldo Teixeira, associa a desigualdade na oportunidade de trabalhoao histórico escravagista do país e, conseqüentemente, aosreflexos na questão da segurança. “A história deu menos oportunidades para o negro na sociedadeformal do trabalho. Essa situação desfavorável,em alguns casos, resultou na necessidade de ele buscar soluçõesalternativas, assim como qualquer outro indivíduo tenderia afazê-lo, independentemente da raça a que pertence, caso seencontrasse na mesma situação”, avalia. Segundoo ministro, o papel da Justiça trabalhista, eem especial do Judiciário, é também cada vezmais relevante no âmbito social. “É muito importanteque o Judiciário se descubra como o campo adequado nãopara manter o status quo (situação atual), mas como um agente transformador dasociedade enquanto assenta sua atuação nos princípiosfundados na redução das desigualdades sociais e norepúdio ao racismo”.