Elaine Patricia Cruz e Paulo Montóia
Repórteres da Agência Brasil
São Paulo - Em julho deste ano, o volume de operações de financiamento imobiliário superou R$1,58 bilhão, o melhor resultado observado em apenas um mês nos últimos 25 anos. O total de contratações em julho superou em 94,66% o volume contratado no mesmo período de 2006.Números divulgados pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostraram também que, em julho, 17.878 imóveis foram financiados, atingindo 98.757 unidades durante os sete primeiros meses deste ano. Segundo o superintendente técnico da Abecip, José Pereira Gonçalves, a expectativa do setor para este ano é atingir um total de 160 milunidades financiadas, número que considerou “positivo”, embora ocrédito imobiliário no Brasil ainda seja "muito tímido". De acordo com Gonçalves, os números positivos do setor são resultado da conjuntura econômica favorável, cujo crescimento ficou demonstrado pelo resultado do Produto Interno Bruto (PIB), divulgado nesta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A economia brasileira cresceu 5,4% no segundo trimestre do ano, em comparação com o mesmo período em 2006. Os números também mostraram que o setor de construção civil cresceu 4,3% no primeiro semestre do ano.“Quando a economia vai bem, o setor da construção vai bem. Um depende do outro. Quando o mercado de construção fica muito dinâmico, ele demanda e incentiva uma série de outros segmentos da economia a aumentarem a produção, o que é muito positivo”, afirmou Gonçalves, em entrevista à Agência Brasil.Abaixo, trechos da entrevista:Agência Brasil - Pesquisa do IBGE divulgada nesta semana mostrou o crescimento do PIB nacional em 5,4% no segundo trimestre deste ano. O que representou este número para a Abecip?José Pereira Gonçalves - O crescimento do PIB é muito importante, principalmente para a atividade de crédito imobiliário, que é uma atividade cujo financiamento é normalmente feito em prazos muito longos. Sempre que se tem um crescimento econômico, isso quer dizer que as pessoas têm mais condições de tomar crédito, o que é positivo. No caso específico do crédito imobiliário, tivemos, a partir de 2004, um crescimento bastante positivo. Em 2004, foram contratados R$ 3 bilhões em operações com recursos de poupança. No ano passado, esse número já subiu para R$ 9,34 bilhões, ou seja, um crescimento três vezes maior. Em 2007, o setor deve contratar operações em torno de R$ 15 bilhões. Então, num período muito curto, está se multiplicando o valor por cinco. O que tem possibilitado esse crescimento é exatamente a conjuntura econômica favorável: o crescimento econômico, o crescimento de renda. Os índices que têm sido anunciados são bastante positivos. O próprio IBGE anunciou que, em 2006, o crescimento do rendimento médio mensal foi de 7,2%. Isso, com certeza, dá condições mais favoráveis para que as pessoas tomem crédito e também para que um grupo maior de pessoas tenha condições de tomar crédito. ABr – O volume de crédito imobiliário cresceu e teve, em julho deste ano, seu melhor resultado observado em apenas um mês. Desde quando não se via um número parecido ao que foi registrado em julho?Gonçalves - É difícil comparar esse valor com os números dos anos 80, até porque as moedas mudaram bastante. Mas com certeza é o melhor resultado dos últimos 25 anos. Isso demonstra exatamente o crescimento do setor de construção, que está vindo com bastante fôlego. É claro que vários fatores permitiram isso. Além do crescimento econômico, temos recuperação da renda. Também tivemos, nos últimos anos, adequações das normas que tratam do crédito imobiliário, e com isso foi possível que os agentes financeiros, de uma forma geral, também tivessem condições de flexibilizar as condições para concessão dos créditos, já que o risco das operações tende a diminuir. Hoje já temos prazos de até 30 anos para retorno das operações. Só para ter uma idéia, em 2002 esse prazo não passava de 10 ou 12 anos. Também essa melhora nas condições de crédito possibilitou que os bancos concedessem um valor maior de empréstimos em relação ao imóvel que a pessoa está adquirindo. Com isso, as operações atuais estão exigindo que as pessoas tenham menos poupança – e sabemos que a população brasileira tem uma capacidade de poupar muito reduzida, portanto, quando o sistema como um todo se propõe a financiar até 70 ou 80% do valor do imóvel, maior número de pessoas têm condições de acesso ao crédito. ABr – Como avaliar o crédito imobiliário em relação aos outros países?Gonçalves - É claro que o crédito imobiliário no Brasil ainda é muito tímido, quando comparamos com outros países. Se a gente considerar as operações de crédito feitas com recursos da poupança mais as operações de crédito feitas com recursos do FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] - as duas principais fontes que alimentam o sistema da habitação - o total desses créditos não chega a 5% do PIB [Produto Interno Bruto]. Quando se compara com outros países como Portugal, Espanha e Inglaterra, essa relação supera 50%. Em nossos vizinhos mais próximos, como o Chile, e em outros países, como o México, o índice está em torno de 15%. Temos um espaço muito grande para crescer. E temos também um déficit habitacional muito expressivo. Então, essa expansão do crédito é muito importante, porque permite que as pessoas tenham acesso à moradia e ao crédito imobiliário, que é o combustível que alimenta a construção civil. E a construção civil tem um efeito multiplicador muito grande sobre a atividade econômica do país. Então, quando a economia vai bem, o setor da construção vai bem, e um depende do outro. Quando o mercado de construção fica muito dinâmico, ele demanda e incentiva uma série de outros segmentos da economia a aumentarem a produção, o que é muito positivo. ABr – O crescimento da construção civil apontado pelo PIB impulsionou o aumento no crédito imobiliário?Gonçalves - Com certeza. Essa recuperação do crédito imobiliário é muito positiva. Para ter uma idéia, em 2006, só com recursos da poupança foram contratadas operações no valor de R$ 9,34 bilhões e foram feitos 114 mil financiamentos. Esse número é muito significativo, porque foi o primeiro ano, desde 1988, em que foi rompida a barreira de 100 mil operações. Ficou-se quase 20 anos patinando no que se refere a crédito imobiliário. Para 2007, R$ 15 bilhões de recursos devem ser alocados - até os primeiros sete meses já foram R$ 8,5 bilhões. Acho que vamos fechar o ano financiando 160 mil unidades.ABr- E qual é a importância da poupança nesse crescimento?Gonçalves – Ela [a poupança] tem dois aspectos positivos. A poupança é a principal fonte de recursos que viabiliza os agentes financeiros a concederem o crédito. Na verdade, o sistema financeiro não tem recursos próprios, tem muito pouco. O que o sistema financeiro faz é captar recursos daquelas pessoas que têm um superávit em suas rendas, e aí a recuperação dos salários é muito importante, porque gera excedente e as pessoas podem fazer aplicações. Ao se aplicar em contas de poupança, esses recursos têm um direcionamento específico. Ou são utilizados para financiar o setor da construção ou, no caso de recursos captados em poupança pelo Banco do Brasil ou Banco do Nordeste, são utilizados para financiar o setor agrícola. Então, essa poupança tem um sentido social muito importante no que se refere à aplicação dos recursos. Eles não são aplicados em qualquer segmento. São aplicados em segmentos bastante específicos, que são muito importantes para a economia como um todo - tanto o crédito agrícola quanto o imobiliário. ABr - Qual a situação dos volumes de poupança interna no país?Gonçalves - Temos observado um crescimento bastante significativo nos depósitos de poupança. Até agosto, somente a poupança, com recursos direcionados para financiamento imobiliário, teve um crescimento de 10%, em relação a dezembro. É bastante significativo, porque, praticamente em todos os meses de 2007, com exceção de janeiro – por causa da sazonalidade que ocorre, porque é quando os saques são elevados por contas que acontecem no final do ano anterior - se observou que as pessoas depositaram mais que sacaram. Ou seja, a captação líquida foi positiva. Com isso, todo o sistema financeiro fica com mais recursos para serem aplicados.ABr – E a que se deve o fato das pessoas estarem depositando mais do que sacando?Gonçalves - Temos a questão dos níveis de renda melhorando, como bem divulgou o IBGE na pesquisa do Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios]. Com a melhoria da renda, sempre sobra um pouco mais para depositar na poupança. Por outro lado, em função da queda das taxas interna de juros, o rendimento da caderneta ficou um pouco mais próxima dos rendimentos de outras aplicações.ABr - No Brasil, o crescimento do consumo está se dando mais pelo crédito do que pela poupança?Gonçalves - Temos os dois fatores. A poupança, na realidade, é o lado contrário do consumo, ou seja, a pessoa recebe uma renda mensal ou periódica, paga as suas despesas, faz o seu consumo e o que sobra ela guarda, ela poupa. Claro que, quando ela poupa, tem um objetivo específico, e pesquisas demonstram que boa parte das pessoas poupa para juntar uma parte para dar entrada na compra de um imóvel. A poupança tem essa função. Ela serve para dar segurança para a pessoa e também para que ela adquira um bem ou, em muitas situações, para que ela compre à vista bens que têm as taxas de juros elevadas em caso de parcelamento. Nosso tipo de poupança também vem crescendo. A nossa poupança interna tem renda. Não é muito significativa, e isso até tem sido apontado como um dos motivos para que o crescimento econômico não tenha sido expressivo nos anos anteriores. Mas acho que a situação está melhorando bastante.ABr- A rentabilidade das cadernetas de poupança está baixa. O setor está sugerindo ou negociando junto ao governo alguma mudança no sistema ou algum estímulo para o poupador?Gonçalves - Não concordo [quando afirma que a rentabilidade está baixa]. A rentabilidade da caderneta nominal é uma rentabilidade baixa porque todas as taxas de economia estão em fase de crescimento e a nossa inflação também. Nominalmente, é claro que o rendimento da poupança está abaixo do que estava em anos anteriores. Mas, em termos reais, ou em termos de comparação com o mercado, o poupador hoje está numa situação muito privilegiada. Em 2007, só de novos recursos que foram depositados e considerando-se os rendimentos que ficaram, o saldo da poupança cresceu. Só nas contas com recursos para financiamentos imobiliários cresceu R$ 18 bilhões. Desses, R$ 11 bilhões foram em novos depósitos. Então, os poupadores estão tendo rendimentos bastante favoráveis em relação ao que o mercado está passando. Mas, admitindo-se a necessidade de aumentar a rentabilidade da caderneta, isso teria um impacto muito negativo. Ao aumentar-se o rendimento da caderneta de alguma forma, alguém tem que pagar por isso. E quem vai pagar vai ser o tomador de crédito. Acho que as taxas de juros que estão sendo cobradas aos tomadores de crédito imobiliários já estão nos níveis bastante ideais. Se ocorrer a necessidade de aumentar o rendimento da caderneta, na situação econômica em que nós estamos, acho que o que se tem que analisar é se existe uma forma de viabilizar recursos com rendimentos menos onerosos para que o crédito imobiliário consiga baixar as taxas para que, cada vez mais, um maior número de pessoas tenham condições de tomar crédito.ABr- Qual a expectativa do setor para os próximos anos?Gonçalves - Estamos apostando, para os próximos quatro anos, em números bastante positivos. Acho que o valor de R$ 15 bilhões, em 2007, está em níveis bastante elevados. Se conseguirmos, nos próximos anos, incrementar em 10% ou 20 % esse montante, já vai ser um esforço bem grande. O que a gente tem que fazer - e temos condições para que isso aconteça - é elevar esse percentual de 5% em relação ao PIB para termos de 10% ou 15%. E isso vai beneficiar a população como um todo, principalmente aqueles que não têm ainda moradia própria e precisam disso. Temos que reduzir nosso déficit habitacional, que é de cerca de oito milhões de moradias. E o crédito, sem dúvida, é um dos fatores que possibilitam que esse sonho se realize.