Cobrir um assunto sem perder o foco no cidadão

24/08/2007 - 9h59

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - A leitora Cristina Lara escreveu para a Ouvidoriadizendo: “Tenho acompanhado as matérias da AgênciaBrasil sobre as Fundações Estatais e sinto falta de um contraponto do que énoticiado, pois na maioria das matérias só há a opinião de pessoas do governoque são a favor das fundações. Gostaria de ouvir o outro lado também. Gostariade ouvir a opinião e a avaliação de pessoas da área da saúde, pesquisadores doSUS e até mesmo de sanitaristas sobre o projeto.”A Ouvidoria enviou amensagem da leitora para a AgênciaBrasil que respondeu:"Após a primeira entrevista do ministro [da Saúde] nosjornais, começamos a cobrir o assunto. Acompanhamos a reunião do ConselhoNacional de Saúde, instância máxima de participação social sobre o tema, eouvimos as fontes contrárias à fundação. Não é verdade que estamos ouvindo só ogoverno. Nesta semana, estamos com o tema na pauta, ouvindo gestores,especialistas e servidores para explicar pontos favoráveis e contrários, alémdo impacto direito e indireto para a população brasileira. Também fizemos uminfográfico para mostrar onde se situa a configuração jurídica das fundaçõesestatais".Estabelecida a polêmica, a Ouvidoria analisou 25matérias publicadas sobre o assunto, entre 4 de abril e 14 de agosto, e oinfográfico a que se referiu a Agência.Aparentemente, as matérias apresentaram um equilíbrioentre opiniões a favor e contra o projeto do governo. O problema foi o tipo decobertura e de tratamento dado ao assunto. Ao contrário do que muitos acreditam,os fatos não falam por si só.A Agênciaoptou pela cobertura dos fatos e pela veiculação de declarações das fontes seeximindo de contextualizar o assunto com base no processo histórico em curso. Procedendodessa maneira fica praticamente impossível o leitor saber exatamente a dimensãodo que está sendo discutido.As autoridades que se pronunciaram nas matériasrepetiram sempre os mesmos argumentos favoráveis ao projeto sem explicar qualseria o impacto das propostas na qualidade dos serviços públicos - ao mudar amaneira de contratar, avaliar e dispensar servidores - ou ainda na forma definanciar esses serviços. Por outro lado, as opiniões contrárias ao projetoforam quase exclusivamente de representantes sindicais de servidores em greve. Um momentodelicado para ouvir esses representantes, uma vez que freqüentemente asmatérias focadas no movimento reivindicatório sobrepõe questões trabalhistas ecorporativistas a o que deveria ser um debate isento e qualificado sobre oprojeto do governo. Fica difícil para o leitor distinguir entre uma coisa eoutra.    Devido às circunstâncias, por vezes a cobertura da Agência sobre o assunto perdeu o focona questão do projeto do governo ao se ocupar muito mais de episódios da grevedo que da discussão de fundo das reivindicações em pauta, deixando de explicaras razões da oposição à criação das fundações. O uso de expressões como “privatizarão o serviçopúblico” e “terceirização dos laboratórios” sem o contexto em que elas seaplicam no debate sobre o direito do cidadão a serviços de qualidade na atençãoà saúde não contribuem para esclarecer as divergências entre o ministro daSaúde e os sindicalistas.  Ao analisar a evolução da cobertura nos trêsprimeiros meses não foi possível saber do que trata o projeto e por que elecausou tanta polêmica. Na matéria “Temporão diz que projeto que irá aoCongresso poderá melhorar atendimento em hospitais públicos”, publicada em 12de julho, apesar do verbo, no seu título, estar no tempo futuro, a notícia diz que o projeto foi enviado ontem (11) aoCongresso Nacional. Fala de vantagens na opinião dos ministros da saúde e doplanejamento e recupera os protestos dos representantes sindicais, mas nãoexplica quais são as possíveis vantagens nem as possíveis desvantagens. Oleitor continua sem as informações necessárias para tomar uma posição contra oua favor do projeto. Somente a partir de 13 de julho que as matérias começama esclarecer o conteúdo do projeto do governo. Finalmente a Agência ouviu um especialista.Alexandre Motonaga, professor da Fundação Getúlio Vargas, que dá explicaçõessobre o que mudaria com a criação das fundações em nível federal e justificasua opinião pessoal favorável ao projeto falando do direito do cidadão aserviços públicos de qualidade.A matéria “Lupi diz que liminar do Supremo não deveráinviabilizar contratações pelas regras da CLT”, de 3 de agosto, poderia tersido uma oportunidade de a Agênciaresgatar o processo histórico em curso uma vez que o ministro fala daterceirização de serviços públicos. Ela poderia ter explicado, por exemplo,como o Estado brasileiro chegou a essa situação após seguir os preceitos doneoliberalismo durante a década de 90. Também fala da reforma administrativa aprovadapelo governo em 1998 sem, todavia, recuperar quais foram os objetivos dessareforma e o que mudou na administração pública brasileira. Estaria o governopromovendo agora uma segunda etapa da reforma administrativa do Estado iniciadaem 1998?Em sua cobertura, a Agência ouviu um sanitarista, como pediu a leitora. Foi o professorda Escola de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), PedroRibeiro  Barbosa, que defendeu o modelo de Fundação Estatal. A reportagem todavianão aproveitou o conhecimento do especialista em SUS para explicar asdivergências em torno da questão, se restringindo apenas a divulgar suasopiniões pessoais, sem justificá-las. A função do jornalismo ao ouvirespecialistas é proporcionar uma oportunidade para que eles restituam àsociedade um pouco do conhecimento que obtiveram graças a ela. A argumentação mais consistente contra o projeto foiapresentada pela secretária de Saúde de Amparo na matéria “Gestores defendemregulamentação de fundações estatais para gerir hospitais públicos”, publicadaem 14 de agosto. Ela relatou uma experiência em que o município resolveu osproblemas de gestão por meio de uma reforma administrativa na área de saúde queincluiu um novo plano de cargos e salários para o município e a obrigatoriedadedo concurso público para a contratação de trabalhadores. No caso de Amparo, agestão dos hospitais é totalmente feita pela administração direta do município,ou seja, não há terceirizações. Mas, o depoimento da fonte, contradiz o títuloda matéria. Finalmente, nas duas ultimas semanas, a Agência Brasil publicou um gráficoilustrativo que dá conta de onde se encaixaria juridicamente o projeto defundação do governo na administração pública e vem se aprofundando no assunto.Com isso, provavelmente, está permitindo que os leitores comecem a entenderquais os interesses que se contrapõem e por quê.  O governo, ao processar reformas na administração doEstado brasileiro está mexendo com os direitos e deveres de milhões de cidadãosque de uma forma ou de outra serão afetados pelas mudanças. Ainda falta a Agência informar como os resultadosdessa polêmica podem gerar impacto nos direitos docidadão a serviços públicos de qualidade. Até a próxima semana.Participe do 3º EncontroRegional de Ouvidorias Públicas-Região Centro-Oeste, evento que serápromovido nos dias 30 e 31 de agosto, em Goiânia (GO). Mais informações em:http:///www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2007/noticia04607.asp