Os mistérios da política habitacional

17/08/2007 - 10h31

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - A política habitacionaldo governo divide-se em mais de uma dezena de programasque contemplam desdesaneamento básicoaté urbanização de favelas,passando inclusive pelosprogramas de aquisiçãode moradia. Estesúltimos, porsua vez,subdividem-se em inúmeros outros, de acordocom a origemdos recursos e o públicoa que se destinam. Geralmente,a cobertura da Agência Brasil sobreo assunto nãoconsegue separar uma coisada outra, generalizando o anúncio de açõese medidas do governosem dizer efetivamente a quemse destinam e como o cidadão deve fazer para ter acesso a elas. Indignado, o leitor William Eduardo escreveu paraa Ouvidoria protestando contra o que ele chamoude “mentira pura”sobre as notíciasque tratam dos recursosde financiamento da casa própria para a população de baixarenda. Elesugere que seja comparado o valor da mensalidadede um financiamento ao valor do aluguel naapuração que a imprensadeveria fazer para saber se grande parte da populaçãotem condições de pagaruma prestação do ditofinanciamento habitacional para famílias de baixa renda. Como jáé de praxe nesse tipode reclamação, a Ouvidoria fez uma análisedas 47 matérias publicadas na Agência Brasil entre26 de março e 6 de agostosobre o assunto.A mais recente,especificamente sobre esse tipo definanciamento, é datada de 11 de julho.   Apesar de a matériaanunciar: “Famílias de baixa renda terão acessoa mais R$ 600 milhõesdo FGTS para comprada casa própria”,não há nela uma sólinha quediga como as famíliasterão acesso ao dinheiro.Mais parecido comum relatóriotécnico, o textodiz que os recursos“serão destinados à concessão de descontosnos financiamentos de habitação popular”.Descontos emquê? Se a matérianão falacomo as famíliasterão acesso ao financiamento como ela pode falar em descontos?Ao dizer:“O objetivo, segundoo secretário executivodo Conselho, Paulo Furtado, é igualar a velocidade de gasto dos chamados recursosnão-onerosos – que nãosão devolvidos ao governo– à liberação dos recursospara empréstimos,que serãoreintegrados ao Fundo com o pagamento das parcelas”, a Agência esquece que do outro lado da tela docomputador tem umleitor queeventualmente pode estarprecisando dos “recursos onerosos” para financiar sua casa própria.O trecho:“As medidas vãomelhorar a execuçãoorçamentária, paraque essesR$ 600 milhões sejam suficientes atéo final do ano,sem precisarde mais nenhuma suplementação”, pode ser uma informaçãointeressante para umauditor do Tribunalde Contas da União(TCU), mas nãopara o cidadão.A matéria “Famíliascom rendade até cincomínimos sãomaioria nosfinanciamentos de imóveis da Caixa”, publicada em24 de maio, dá a impressãode que as famíliasde baixa rendaestão finalmente sendo atendidas pelos financiamentos da Caixa.Isso é apenasuma parte da verdade,pois a matérianão falaque dos 96,3% queganham até cincosalários mínimos,beneficiados pelos financiamentos da Caixa Econômica Federal, 90,3% ganham atétrês saláriosmínimos. Portanto,a “maioria” a quese refere o título da matéria são apenas aqueles que ganham entretrês e cincosalários, ouseja, correspondem a menos de 6% dodéficit habitacional e constituem uma “minoria” frenteaos outros 90,3%, queganham até trêssalários, a verdadeira “maioria”, que, provavelmente,não tem saláriopara pagar as prestações.     No dia 30 de março,em minhasegunda Colunado Ouvidor, “Dá paracomprar casaprópria?”, tratei desse assunto. Dois dias depois, a Agência Brasil conseguiu apurarcom o Ministériodas Cidades e coma Caixa EconômicaFederal quehavia oito linhasde financiamento para a casaprópria, quepoderiam, potencialmente, contemplarpessoas de baixarenda. A matériaintitulada “Famílias com rendade até cincosalários têm oitocaminhos paramelhorar habitação”,publicada em 2 de abril,foi um avançoem relaçãoao que se havia publicado até então. Mas, apesar do avanço, nesses últimos cincomeses a cobertura voltou a tratar do assunto prioritariamentedo ponto de vistado governo. Dentreoutras 47 matérias publicadas no período, apenas 12tratam da questão dos financiamentos paramédia e baixarenda.Apesar de nenhuma conseguir desvendar os caminhos que o dinheiro percorre entreBrasília e o cidadão, passando pelos inúmeros tiposde intermediários, como:agentes financeiros, construtoras, cooperativas, estadose municípios, elasconseguiram dar pistasde onde se localizam os principais entravespara que as políticas públicas se realizem na prática.Umadelas, “Municípios jápodem apresentar projetospara ter acesso aos recursosdo PAC para moradia”,publicada no mesmo diada Coluna do Ouvidor,30 de março, dizia: “Apesar de os recursosjá estarem à disposiçãonos cofresdo governo paraprogramas de moradia,muitas prefeituras de pequeno e médioporte enfrentam problemasna hora de elaboraro projeto: nãocontam com recursos,nem pessoalcapacitado para a formulaçãodas peças técnicas”.Enquanto nãoconseguir desvendar os mistérios da políticahabitacional do governo,a Agência Brasil provavelmente continuarárecebendo demandas do público para que o faça. Cidadãosindignados como William Eduardocontinuarão a protestar comafirmações como: “O quevejo hoje sãoveículos de informaçãoprestando serviço de desinformação”, oucom declaraçõescomo: “Aindaacredito na liberdade de imprensa, mas liberdade de imprensanão para mostrar o que quer, mas sim o que deve”.E as reclamaçõesdo leitor já produziram algum resultado. A AgênciaBrasil se comprometeu a direcionar o foco de sua cobertura sobre o acessodas populações de baixa renda às políticas habitacionais do governo.Até a próxima semana.