Precisamos ler algo mais realista

10/08/2007 - 0h45

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - Na semanapassada, o leitorJosé Ivo, que se identificou como contador,pediu licença paramanifestar suaindignação ao serquase obrigadoa ler o quechamou de “profecias” de uma fonte ouvida pela AgênciaBrasil na cobertura sobre o programado governo federalintitulado Supersimples.Segundo ele, quanto mais se joga um assunto na mídia,mais se convence o públicode que o programa“é bom, oué ótimo, e assimsempre será”, masadverte que issonão passade propaganda do governo.Ele recomenda fazer uma pesquisa por amostragem comex-optantes do Simples, e avaliarprofundamente o queacontecerá com aquelesque aderirem ao Supersimples. Para o contador na grande maioriadas microempresas nãohaverá redução de impostos, como consta nas matérias,muito menosnos índicescitados: 20%, 50% e 80%. Ele concluidizendo: “Só vamos esperarpara avaliar um pouco mais à frente oquanto vai aumentara arrecadação do governo, aí ficará mais fácil medir”.A partirda observação do leitor, a Ouvidoriaanalisou 34 matérias publicadas na Agência entre 22 de novembrode 2006, data emque foi aprovadoo Supersimples pelo CongressoNacional, até31 de julho, datalimite para as empresas aderirem ao programa,depois prorrogada para15 de agosto. O enfoque da cobertura procuradestacar as “vantagens” do programa – palavrautilizada 14 vezes nas matérias analisadas –, emtermos de “facilitara abertura e o dia-a-diadas empresas, ampliaro mercado, facilitaro acesso ao crédito,a tecnologias e a se associarem para comprar e venderem conjunto”.No entanto as matérias não explicam como,ou por meio de quemedidas concretas, o governo espera proporcionar essas “vantagens”. Para termos umacomparação com outrosegmento de empresas,podemos relacionar as medidas anunciadas para as micro e pequenas auma medida hipotéticado governo, porexemplo, isentando oudobrando o imposto de renda da indústriaautomobilística. Sem dúvida, uma medidadessas causaria um rebuliçono mercado de automóveise a Agência Brasil provavelmente correria para ouvir as montadoras sobre o impacto das medidas no preçofinal dos veículos,no nível de empregoda indústria ounos índicesde crescimento da economia.Talvez o impacto do programado governo seja o equivalente a isso para quem mantém seu pequeno negócio, sóque na cobertura da Agência sobre oSupersimples, nenhum pequeno empresário foi ouvido para saber como ficará suaempresa ou o preço dos produtos ou serviços que fornece após a implantação do novosistema tributário. Apesar do assunto ser exatamente esse – o sistematributário brasileiro,as matérias nãoo discutem, não o enfocam. Ele só foilembrado quando a reportagem entrevistou,no dia 29 de julho,a diretora de estudos técnicos do SindicatoNacional dos AuditoresFiscais da ReceitaFederal (Unafisco), Clair Hickmann. Segundo ela, “osistema é paliativoe pode diminuir umpouco a carga tributária,mas nãosoluciona todos os problemasdo sistema tributáriobrasileiro”. E a discussão,na cobertura da Agência Brasil, termina aí.Muito mais do resumir a cobrança deoito impostosem umsó, essa medidamuda a basede arrecadação e tributação do governo e atinge cadatipo de empresade maneira diferente.Para chegar a isso são necessários inúmeros cálculosque podem levara distorções, injustiçasou atéao aperfeiçoamento da legislação tributária. As informaçõessobre comoo governo chegou a issosão vitaispara que oscontribuintes tirem suas próprias conclusões, maselas nãoestão contempladas na cobertura da Agência.  Um bom momento para a Agência discutir isso seria quando o secretárioexecutivo do ComitêGestor do Simples Nacional,Silas Santiago, disse que 913.151 empresas, o equivalente a 87% das solicitações de opção, têm pendênciascom a ReceitaFederal. Faltou à reportagem perguntar ao secretáriopor queum percentualtão elevadode empresas está inadimplente.Será que elassão más pagadoras do fisco porquequerem ou porqueo sistema tributáriotem problemas? Emvez disso as matériasda Agênciadestacam a “oportunidade excepcional”de as empresas devedoras solucionarem suas pendênciasparcelando seus débitosem até120 vezes. Quanto aos númerosde empresas atingidas pela medida, asmatérias sãocontraditórias. A Agênciapublicou em  25 de junhouma matéria na qualo presidente da ConfederaçãoNacional dos Municípios(CNM), Paulo Ziulkoski, afirma que até aquela dataapenas 4,5 milhõesdessas empresas haviam optado pelo novo sistemade arrecadação dentre as 13,2 milhões cadastradas pelaReceita Federaldo Brasil. Já a matériapublicada em 31 de julhodizia que o governocomemorava que atéaquela data, 2,8 milhõesde empresas haviam aderido ao Simples Nacional.O número, segundoo secretário Silas Santiago, foi uma"surpresa agradávelpara o governo".Outra matéria,publicada no dia 2 de julho, informava que,segundo a ReceitaFederal, o novoregime vai resultar em menos burocracia e reduzir a carga tributáriapara 2,5 milhõesde micro e pequenasempresas.Quanto à possívelredução dos impostos, as matérias reproduzem diversas vezesque, de acordocom o ServiçoBrasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a maioriadas micro e pequenasempresas pagará menosimpostos e quea redução média será de 20% paraquem jáopta pelo SimplesFederal, podendo chegara 50% dependendo do estado em que a empresa estiver instalada e, paraaquelas que agorapoderão optar peloSupersimples, a redução poderá ser de até 80%. Tudo isso sem apresentar um único cálculo ou estudos de caso que pudessemlevar a essa conclusão.Provavelmente é isso que o leitorchamou de “profecias”.Quando uma matéria ou coberturacontêm opiniões pessoaisdas fontes, queexprimem julgamentos de valor ou opiniões sem embasamento em argumentos objetivose consistentes, portanto sem favorecer o entendimento do porquêse chegou a determinado julgamentoou opinião,elas podem serconsideradas tendenciosas. Essas matériaspodem ter a intençãode induzir a opiniãodo público a uma determinadaconclusão. O Manual de Jornalismo daRadiobrás, na página 56, diz que ser honesto com o público é reconhecer que ele tem direito à informaçãomais completapossível, semocultar nenhuminteresse e sembuscar o convencimentodo cidadão, dotando-lhe das informações necessárias paraque eleforme livremente suaopinião.Outra característica que pode tornar uma matéria ou cobertura tendenciosaé a inclusão de adjetivose advérbios dispensáveis,que nadaacrescentam à informação.No casoda cobertura do Supersimples, esse procedimento chegou a atingiros títulos das matérias.Na matéria “Mais de 1,3 milhão deempresas já fazem parte do Simples Nacional”, publicada em 3 de julho, oemprego do advérbio “já” e da expressão “mais de” deixa isso claro. Por que otítulo não falou das empresas que “já” rejeitaram, que “ainda” não decidiram ouque seriam “menos de 1,4 milhão”?Analisando a cobertura apartir do enfoque, das abordagens e escolha das fontes, a Agência Brasil publicou 24 matérias comopiniões favoráveis à medida do governo, cinco com opiniões isentas e uma comopinião contrária, além de quatro notas que não continham opiniões. Somente ao meio-diade 31 de julho, dataem quevencia o prazo inicialde adesão (ourejeição?) ao Supersimples, a Agência publicou uma matériachamada “Entenda as mudanças para os pequenos empresários como Supersimples”. Mas, ao contrário do quediz o título, o textonão facilita o entendimento, apenas relata, em um quadro comparativo, o que muda no regime tributário dasmicro e pequenasempresas, na versãodo governo. Pressupõe-se que um“entenda” deva ter uma função didática e como tal deveria conterexemplos práticose explicações que pudessem ajudar a compreender as mudançase a tomar a difícildecisão de aderirou rejeitar oprograma. Segundo a matéria publicadaem 31 de julhoàs 17h20, “Adesão ao Simples Nacionalsurpreende governo, diz secretário do ComitêGestor do Sistema”, atéesse dia,2,8 milhões de empresashaviam aderido ao Simples Nacional. Talvez,muitas delas, sem informações suficientes para entender porque o fizeram.  Até a próxima semana.Na coluna da semana passada cometi uma imprecisão.O leitor Gildenor Araújo escreveu para a Ouvidoria protestando. Segundo ele “comoOuvidor o Senhor deveria em seus textos ser o mais próximo da verdade dos fatoscomentados. No texto sobre tragédias sublimares o Senhor passou duasinformações não corretas: a 1ª foi a tonelagem do avião da TAM que todossabemos pesava 62,5T na hora do acidente; e a 2ª quanto ao número de mortos nomesmo avião que não foi 200 e sim 199 (uma vida vale muito).”O leitor tem razão, fica aqui nosso reparo e o pedidode desculpas, afinal a precisão é um dos preceitos fundamentais que devemospreservar no jornalismo.