Esporte duas vezes por semana não é atestado de cidadania, alerta pesquisador

25/07/2007 - 7h52

José Carlos Mattedi
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - O apoio de empresas privadas a atividades esportivas na periferia das grandes cidades não resolve o problema dos jovens, avalia o professor Marcelo Paula de Melo, formado em educação física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com doutorado em serviço social. Ex-jogador amador de basquete e professor da Vila Olímpica da Maré, Melo alerta que o fato de um adolescente da periferia fazer esporte duas vezes por semana não é um atestado de cidadania.“Pode-se falar em resgate de cidadania num contexto como o do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, onde direitos básicos de cidadania são diariamente desrespeitados?”, afirma o pesquisador, em entrevista à Agência Brasil. A seguir, o terceiro e último trecho da entrevista, concedida via internet. Leia também o primeiro e segundo trechos.Agência Brasil: Programas sociais esportivos resgatam mesmo a cidadania de jovens excluídos?Marcelo Paula de Melo: Para enfrentarmos essa questão teríamos que ter claro o que consideramos como cidadania. Diferentes visões de mundo vão dar diferentes entendimentos sobre cidadania. Por isso encontraremos quem acredite, e defenda, que o fato do jovem ou a criança praticar esporte três vezes por semana, durante duas horas, seria “resgate da cidadania”. Sem dúvida o acesso ao esporte, lazer, artes, são fundamentais para qualquer pessoa. Agora, pode-se dizer em “resgate de cidadania” num contexto como o do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, onde direitos básicos de cidadania são diariamente desrespeitados?Por isso, implico muito com essa tese de esporte-lazer como redentores sociais. Para mim, serve mais para despolitizar a questão da pobreza, da criminalidade, da péssima educação e saúde pública, onde os profissionais não têm nenhuma condição de executar seu trabalho decentemente. Quando eu dava aulas na Vila Olímpica da Maré, um aluno me dizia que muitas vezes os projetos acabam atendendo a “classe média” da favela. Com isso, ele queria dizer que quem freqüentava em geral eram crianças pobres, sim, mas em geral frutos de famílias nucleares com pai e mãe, que freqüentavam a escola e coisas do gênero.O que queria dizer era que o jovem ou criança muito pobre não freqüentava o programa porque tinha que pensar em sobreviver, e esporte duas vezes por semana não permitiriam a essa criança ou jovem garantir sua sobrevivência nos outros dias cinco dias da semana.ABr: O esporte é o redentor da juventude pobre ou serviria como freio à violência e à criminalidade?Melo: Penso que nem uma coisa nem outra. O esporte sem dúvida é umas das manifestações sociais mais importantes de nosso tempo, sendo amplamente influenciado por toda a sorte de questões que marcam a atualidade. O esporte não está nem à frente nem fora da sociedade. Assim, em seu interior, irá aparecer tudo de bom e ruim que essa mesma sociedade apresenta. Em tempos de ultra mercantilização da vida, promovida pela atual fase do capitalismo, não é surpreendente que isso irá ter reflexos no campo do esporte. Não sei porque a tese de que o esporte diminuiria a violência e a criminalidade. Seria interessante fazer uma pesquisa nos presídios para saber se os detentos gostam de esporte. Creio que a resposta deverá ser positiva.ABr: Esse caráter redentor era antes atribuído à escolarização. Parece que foi substituído pelos projetos de lazer e esporte. É isso?Melo: Às vezes tenho essa impressão. Como se houvesse um perigoso abandono do papel da escolarização. Não concordo com as teses que pensam a educação como solução para os problemas do mundo. Sem dúvida a escolarização tem um papel central em qualquer sociedade. Contudo, está difícil você convencer um pobre a investir onze anos da vida dele para, talvez, ter um retorno, que sequer é garantido, visto que o desemprego estrutural faz com que o contingente de jovens desempregados seja imenso. O esporte vai dar conta disso?