Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - AOuvidoria recebeu desde o dia 30 de março dez mensagens deleitores querendo saber se teriam ou não acesso ao direito deabrir sua conta-salário e como deveriam fazer para conseguirisso. Alguns relataram que procuraram as agências dos bancosonde mantêm conta e não foram atendidos em suasaspirações, como é o caso dos leitores JorgeSchutz e Wellington da Silva. Esta Ouvidoria pesquisou 16 matériaspublicadas na Agência Brasil sobre o assunto, desde 23de agosto de 2006, para ver se as informaçõessolicitadas pelos leitores estavam ou não disponíveis. Em resumo, o material produzido até o início de dezembro deixou imprecisas as informações para quem as procurasse. Após esse período, a Agência, a partir de demandas dos leitores, fez reportagens mais detalhadas do tema. E, gradativamente, aprofundou e explicitou as restrições. A seguir, o histórico dessa análise.AAgência Brasil publicou uma matéria em 5 desetembro de 2006 cujo título era: “CMN aprovatransferência de conta-salário sem custos para otrabalhador”. O texto inicia com a seguinte informação:“A partir de 1º de janeiro, os trabalhadores poderãoresgatar ou mesmo transferir o dinheiro da conta-salário dobanco escolhido pela empresa em que trabalha para o banco de suaescolha, sem custos”. Quem é trabalhador e leu essamanchete pode ter se empolgado com a notícia. Quem étrabalhador e leu o primeiro parágrafo da matéria podeter se empolgado mais ainda. Quem é trabalhador e leu amatéria toda, até o fim, pode ter ficado com a certezade que teria acesso ao benefício de receber seu saláriono banco de sua preferência, sem custos. O próprioministro da Fazenda, Guido Mantega, generalizou os efeitos da medidaem suas declarações: “Estamos dando ao trabalhador odireito de escolher o banco com que quer trabalhar. Ele vai poderfazer isso sem pagar CPMF e sem pagar tarifas”. Assim, otrabalhador, mesmo sem saber direito o que significa CMN, a siglaempregada no título da matéria, provavelmente, concluiuque estavam falando com ele.Essamatéria ainda se referiu a uma outra sob o título:“Governo vai liberar escolha do banco para receber salário eremanejar dívidas”, publicada em 23 de agosto de 2006, emque a generalização levava o trabalhador a inferirquais seriam as conseqüências de tão ampla medida àeconomia do país. O primeiro parágrafo dizia: “Ogoverno federal vai adotar medidas para estimular a economia efacilitar as relações bancárias”. Mais àfrente, o texto dava o tom dos efeitos: “Ao permitir que otrabalhador escolha com que instituição bancáriaquer movimentar sua conta, o governo vai aumentar a competiçãoentre os bancos.”Tudobem que todas as afirmações contidas nessas matériasforam feitas pelo ministro da Fazenda, mas a Agência Brasilse limitou a reproduzi-las. É o que podemos chamar de matériadeclaratória, na qual se publica o que a pessoa que estásendo ouvida disse, sem explicar o porquê ela disse. Isso em sinão pode ser considerado uma falha, pois é própriodo jornalismo em tempo real das agências de notícias.Primeiro se publica o que foi dito para depois ir atrás doporquê. Nos dias seguintes, se a Agência Brasiltivesse pesquisado a ata da reunião do Conselho MonetárioNacional na qual foram tomadas as decisões e as medidasanunciadas, teria descoberto que não se poderia generalizar oalcance delas. Além disso, teria verificado que eram tantasexceções e restrições à suaaplicação que apenas uma pequena parcela dostrabalhadores seria beneficiada. A ausência de questionamentos,de contextualização do assunto para explicitar asinformações contidas na fala do ministro e da apuraçãose as medidas anunciadas realmente surtiriam o efeito esperado gerouimprecisão na informação. Isso pode criar falsasexpectativas, como as relatadas pelo leitor Lucas Buozi em suamensagem.Nãose deve duvidar do que a pessoa entrevistada está falando. Éo que diz o Manual de Jornalismo da Radiobrás – “nósacreditamos em nossas fontes” –, mas isso não elimina anecessidade de duvidar de como os fatos se apresentam e dafundamentação das declarações obtidas. Oexercício da dúvida é essencial ao jornalismo.A primeiramatéria que apresentava algumas restrições dasmedidas foi publicada pela Agência Brasil em 21 dedezembro de 2006. O texto dizia: “Para os trabalhadores dainiciativa privada, a conta-salário só seráobrigatória a partir de 2 de abril de 2007. No entanto, paraas empresas que até 5 de setembro tinham assinado contratoscom bancos para o pagamento dos funcionários, e descontadopelo menos uma folha de salários, o prazo foi prorrogado para2 de janeiro de 2009. Os servidores estaduais e municipais sóterão direito à conta-salário em 2012”. Essasressalvas também não foram explicadas. As decisõesnão entrariam mais em vigor em janeiro de 2007? Por que essesservidores públicos estavam fora do alcance das medidas? E osservidores públicos federais teriam direito a elas? Essasforam algumas das dúvidas apresentadas pelos leitores JoãoCarlos Delfino e Pablo Roberto Stuque em suas mensagens.Em31 de março, um sábado, antevéspera da entradaem vigor da medida, a Agência publicou uma matériacujo título continuava generalizando o assunto: “Com a novaconta-salário, trabalhador recebe pagamento onde quiser”. Noprimeiro parágrafo são citadas algumas das restriçõesde acesso à medida: “A partir de segunda-feira (2), partedos trabalhadores da iniciativa privada não será maisobrigada a ter conta corrente no banco indicado pelo patrãopara receber salário. Sem pagar nenhuma tarifa nem imposto porisso, o empregado poderá transferir seu dinheiro para o bancoque quiser”. O detalhamento seria feito nas matérias posteriores. A Agência Brasil fezmais três matérias, essas sim apresentando as restrições,as exceções, as limitações da medidagovernamental. A Agência finalmente fez a apuraçãodo assunto e, depois de sete meses, seus leitores puderam saber quemtinha ou não acesso à livre movimentaçãoda conta-salário. A matéria “Abertura deconta-salário é obrigação dos bancos”,publicada em 4 de abril, avança e aprofunda o tema, abordandoinclusive a questão dos direitos dos trabalhadores.Sevocê leitor, quiser saber mais sobre esse direito de algunstrabalhadores, por intermédio das páginas da AgênciaBrasil, faça uma busca digitando “conta-salário”,mas não se esqueça do hífen entre as duaspalavras nem do acento na palavra “salário”, casocontrário o mecanismo de busca não conseguirálocalizar exatamente o conteúdo que você deseja e poderáretornar com mais de cem matérias ou com nenhuma, dependendodo caso. Digo isso porque o leitor Silvio de Sousa escreveu para estaOuvidoria sugerindo que o acesso aos conteúdos seja maisfacilitado. Segundo ele, a falta de acento em uma palavra, porexemplo, já dificulta a busca.Atéa próxima semana.Errata:Na coluna da semana passada, “Transposição,integração ou interligação do SãoFrancisco?”, a declaração em que o presidente Lulausa o termo “transposição” estava errada. Em vezde: “A transposição e a revitalizaçãodo rio não são obras excludentes”, o correto é:“Falta um pouquinho de chuva, mas nós vamos fazer atransposição do Rio São Francisco”. A fala foipublicada em matéria de 31 de janeiro na AgênciaBrasil, sob o título “Lula diz que desafio doBrasil é tornar-se maior potência energética domundo”.