Estudantes brasileiros na Bolívia contam que nacionalização do gás gerou apreensão

06/12/2006 - 23h46

Spensy Pimentel
Enviado especial
Cochabamba (Bolívia) - A nacionalização do gás e do petróleo bolivianos, decretada em maio pelo presidente Evo Morales, causou apreensão, mas não gerou maiores conseqüências no cotidiano do país, lembram estudantes brasileiros que vivem em Cochabamba. São cerca de 800 pessoas nessa situação, segundo o Vice-Consulado do Brasil na cidade. Em geral, elas estão ali por causa da facilidade de acesso à universidade (não há vestibular) e os baixos preços das mensalidades (cerca de US$ 100, enquanto no Brasil esse valor pode ser 20 vezes maior)."Muitos ficaram com medo de que o Brasil fizesse uma guerra para retomar as instalações", lembra o estudante de medicina Allen Eduardo Boechat, 25, natural de Juiz de Fora (MG). "Mas, no fim, não houve nada, ficou naquela, porque havia as eleições.""A princípio ficou todo mundo apavorado. Mas a maior parte do problema foi no Brasil. Aqui nem se sentiu", conta Fernando Matavelli, outro estudante de medicina, vindo de São Caetano do Sul (SP). Como Boechat, ele estuda na Universidade Privada Aberta Latino-americana (Upal). Só ali, são 350 brasileiros, entre os 650 alunos da instituição. Para Boechat, Morales tomou suas decisões por cálculo político. "Ele começou a falar alto por causa da Constituinte (eleita dois meses depois da nacionalização). Peitou o Brasil, e o partido dele conseguiu maioria", diz ele. "O Morales também diminuiu o tom porque sabia que o Lula e o Chávez eram aliados, não podia prejudicá-los", diz Matavelli, em alusão aos presidentes do Brasil e da Venezuela, que enfrentaram eleições este ano. Os brasileiros dizem sentir-se bem-vindos e confortáveis em viver no país. A maior dificuldade é no contato com a população de origem indígena. "Eles são muito retraídos. É difícil confiar neles", reclama Boechat. "É um contraste muito grande com o nosso jeito expansivo. Eles estranham que o brasileiro fala alto, gasta muito, é muito 'entrão'", conta Wilmon Gouveia, empresário que vive há 11 anos na Bolívia e, atualmente, também estudante universitário. "É um povo muito judiado, foram sempre explorados na sua história." A relação de Morales com essa cultura, característica da população indígena, causa desconcerto. "A idéia dele não é desenvolver o país. Eles pensaram até em mandar embora a Igreja Católica e estatizar as escolas particulares", diz Gouveia. "Mas ele tem um compromisso real com esse povo, isso dá pra perceber." Mesmo confessando a dificuldade de compreensão cultural, eles defendem o país. "O problema é aquela visão que todo mundo que é de fora tem. Nos Estados Unidos não acham que a gente tem jacaré em casa? Pois a gente, quando vê de fora, só relaciona a Bolívia a pobreza, ao tráfico. Não é bem assim, quando a gente chega aqui percebe que o país tem muita coisa estruturada, bonita", diz Boechat.