Para auditor, situação flagrada no Rio é "escravatura contemporânea"

26/09/2006 - 16h36

Aline Beckstein
Repórter da Agência Brasil
Brasília - “Isso é a escravatura contemporânea, com a senzala no alto da moradia. Talvez seja para os patrões poderem controlar melhor a entrada e a saída desses novos escravos”. Foi assim que o auditor fiscal do trabalho, Guilherme Moreira, definiu a situação em que se encontravam as 42 pessoas submetidas a trabalho escravo no Rio de Janeiro. Elas deverão ser indenizadas até o final da semana, como determinou a Justiça.Os trabalhadores, que vieram do interior da Paraíba para vender rede no Rio para a tecelagem Vitória, moravam numa casa de três andares na favela do Catiri, zona oeste da cidade. Ficavam na parte superior, com o “senhor de engenho” embaixo, segundo o auditor. “A casa do patrão era toda arrumada, com lajota e azulejo até o teto, enquanto os demais dormiam amontoados em redes, em condições subumanas”.Moreira disse ter provas claras de que os vendedores eram submetidos a trabalho escravo. “Além das péssimas condições de moradia, eles já saíam da Paraíba com dívidas. Os aliciadores emprestavam entre R$ 2 mil e 6 mil. E eles vinham trabalhar puramente para quitar essa dívida”.Moreira ainda citou a condição de transporte até o Rio. “Eles foram trazidos na caçamba fechada [de um caminhão], numa viagem de três dias”.O advogado da tecelagem, Leonardo Godoy, argumentou que o trabalho dos vendedores não pode ser considerado como escravo, mas sim uma prestação de serviços. “Eles podiam entrar e sair a hora que quisessem. E pegavam empréstimos na cidade natal, mas que eram pagos de forma fracionada, sem juros”.O advogado também disse: “De fato a situação não era aconselhável, mas todos têm vontade de manter esse trabalho”.Godoy afirmou que o empregador (Manoel Gomes Xavier, dono da tecelagem Vitória) é uma “pessoa simples, que também começou vendendo redes há mais de 20 anos”. O procurador do Trabalho Marcelo José da Silva disse que “isso pode até ser verdade, mas não justifica a reprodução do modelo. É um ciclo que precisa ser interrompido”.