Spensy Pimentel
Enviado Especial
Antonio João (MS) - Eleir Trindade, 44 anos, e Ereni Teresa Basana, 42 anos, tinham pouco mais de 10 anos de idade quando começaram a trabalhar como empregados nas fazendas da fronteira entre Mato Grosso do Sul e Paraguai.Nelas se conheceram e começaram a namorar. Nas fazendas se casaram e criaram os cinco filhos: Roselinda, 23, Luciana, 20, Agnaldo, 19, Adenilto, 17, e Jaquiele, a caçula, com 15 anos.Foi tanto trabalho na vida de Eleir e Ereni que não sobrou tempo para o estudo. Hoje, ele tem orgulho dos netos que, na pré-escola, já começam a escrever os nomes de todos da família - "a sabedoria que eu tive foi só a que aprendi com os colegas e os antigos". A primeira herança que o casal fez questão de deixar para os filhos foi a escola."Eu já sofri muito por ser burra. Não queria que eles passassem a mesma coisa", conta Ereni. Hoje, Roselinda e Agnaldo já terminaram o ensino médio - ela, que cria sozinha dois filhos pequenos, é liderança dos agricultores na região e conseguiu também um lote no assentamento. Adenilto completa os estudos este ano. Os outros estão a caminho.O segundo legado que o casal quer deixar para os filhos começou a se materializar no ano passado. Eleir e Ereni foram contemplados com um lote da reforma agrária, no assentamento Itamaraty 2, a 30 km de Antonio João.Foram necessários cinco anos e meio de acampamento em uma área próxima à cidade para conseguir os 12 hectares de terra - oito, de uso coletivo, ainda sem aproveitamento."Barraqueei esse tempo todo. Meu prazer vai ser deixar isso aqui pra eles: o estudo e a terra", diz Eleir, enxada em punho, enquanto olha ao seu redor a plantação que já começa a brotar.Em pouco mais de um ano, o lote de Eleir e Ereni recebeu boa parte da infra-estrutura necessária para a instalação da família por ali. A casa, parte do projeto do assentamento, já tem luz e água potável.No ano passado, com os R$ 2,4 mil de "fomento" que os assentados receberam, a família preparou, corrigiu e adubou a terra de boa parte do lote, mas Eleir cortou o pé com um machado, o que impossibilitou o plantio no tempo correto.Este ano, para compensar o tempo perdido, Eleir já plantou amendoim, feijão, arroz e mandioca. Ele lamenta por ter conseguido semear milho porque não tinha R$ 100 para comprar o adubo – sem o insumo, diz ele, seria desperdiçar as sementes.Outra coisa que ainda faz falta é o dinheiro para completar a cerca da propriedade. Enquanto a obra não sai, Eleir não tem como soltar as três vacas e os dois bezerros para pastar ali.O projeto de Eleir é construir no lote uma estrutura para a criação de gado leiteiro. "O leite é barato, mas é um dinheirinho sagrado, que está todo dia ali", diz ele. A pecuária é a atividade para a qual o assentado diz ter vocação. "Agora meu sonho é de fartura. Já pensou o dia em que eu puder estar aqui com os amigos, fazendo um churrasco pra eles, um carneiro, um porco?"Na espera do avanço do projeto do assentamento, Eleir alimenta as galinhas e porcos, vai lavrando a terra, e os meninos seguem na cidade, estudando para ter uma vida melhor. Ereni, por enquanto, só pode aproveitar o lote aos sábados e domingos.Durante a semana, ela e a filha que, por enquanto, largou a escola, trabalham como domésticas na cidade. Ela ganha "cento e poucos reais". A filha, R$ 60 mensais. "A cidade não tem recurso. Quem ganha um salário mínimo aqui, tem muita sorte."A expectativa do casal para as eleições é continuar tendo "uma ajuda" do governo para alimentar o sonho de se verem livres dos patrões. "Patrão, eu não quero nem saber mais. Eles só querem ver o nosso serviço. Quando fica doente, ou se tem filho, larga a gente de lado", lembra Eleir.Como Eleir e Ereni, a região de Ponta Porã e Antonio João tem, nas contas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Antonio João, cerca de 3 mil famílias assentadas. O preço de um hectare de terra por ali é de cerca de R$ 5 mil a R$ 6 mil.A título de amostra, um projeto de crédito fundiário que o sindicato finaliza atualmente vai beneficiar 172 famílias com um crédito de R$ 40 mil para cada uma.Nas contas do sindicato, é o suficiente para adquirir um lote de 4,5 hectares, construir casa e, em parceria com a prefeitura e o governo do estado, providenciar infra-estrutura. O resto é com os agricultores e a força de trabalho de cada um."Tem gente que recebe o dinheiro e não consegue fazer as coisas, mas aí já é o desinteresse de uma minoria", diz o presidente do sindicato, Valdete Franco dos Santos.