Para jurista, reforma política é necessária, mas proposta de assembléia é inconstitucional

06/08/2006 - 14h29

Agência Brasil

Brasília - A proposta daconvocação de uma Assembléia Constituinte com afinalidade exclusiva de fazer a reforma do sistema político,apresentada na semana passada no Palácio do Planalto, geroumanifestações de apoio e rejeição emorganizações da sociedade civil, partidos políticose especialistas. As repercussões também estiveram nodebate eleitoral dos candidatos à presidência daRepública.Em entrevista à RádioNacional, o professor de Direitos da Universidade de São Pauloe um dos mais respeitados juristas brasileiros, Dalmo de AbreuDallari, questionou a forma como o debate foi apresentado apósa reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silvae os juristas. “Os juristascompareceram [à audiência]e de surpresa, surpresa para todos eles, no meio da audiência,o presidente levantou a questão da idéia de propor umaConstituinte exclusiva. Mas ele simplesmente comunicou, nãohouve debate, não houve discussão, ele nem mesmoperguntou se os juristas estão de acordo”, disse.Dallari era um dossignatários do documento que originou a audiência com opresidente, uma proposta de mudanças para o funcionamento dascomissões parlamentares de inquérito. Segundo ele, aproposta da Constituinte é inconstitucional e não deveprosperar. “Já há muitos pronunciamentos de juristaschamando a atenção para isto e demonstrando que umaproposta dessas é inconstitucional. Então nãotem sequer a possibilidade de ser discutida no Congresso Nacional.Acho que é um assunto que deverá morrer daqui a poucosdias”, disse. Leia a seguir o primeiro trecho da entrevista:RádioNacional: De que forma o senhor vem acompanhando esse debate?DalmoDallari: Eu gostaria de fazer um esclarecimento muito importante. Aimprensa tem noticiado que o assunto de uma Constituinte exclusivafoi colocado pelo presidente Lula no encontro com juristas. Naverdade, os juristas tinham sido convidados para o encontro com opresidente, porque estavam considerando necessário um debatesobre as comissões parlamentares de inquéritos, asCPIs. Sobre o fundamento de sonegação de ofensas adireitos fundamentais dos depoentes, inclusive o direito de defesa,que é princípio constitucional. Então naverdade, os juristas sensíveis a isso, haviam preparado umdocumento para que ele inicie um debate sobre a revisão dealgumas regras relativas às CPIs.Foi entãomarcada a audiência, os juristas compareceram e de surpresa,surpresa para todos eles, no meio da audiência, o presidentelevantou a questão da idéia de propor uma Constituinteexclusiva. Mas ele simplesmente comunicou, não houve debate,não houve discussão, ele nem mesmo perguntou se osjuristas estão de acordo. Ninguém fez a proposta, todosforam pegos de surpresa, e a par disso, a idéia de que houveuma discussão, uma troca de idéias, o que absolutamentenão aconteceu. Então de fato os juristas nãodisseram nem sim, nem não, a favor, ou ao contrário,porque foram surpreendidos.Rádio Nacional: O senhor éum dos signatários do documento entregue ao presidente sobreas CPIs, certo?Dalmo Dallari: Assinei o documento, mas nãoestava na audiência. Por uma série de contratempos,acabei não viajando para Brasília como tinhaprogramado, mas, de qualquer maneira, eu sou um dos signatários.Rádio Nacional: Diante dessa discussão, hágente a favor e contra. E a população brasileira estáacompanhando esse debate. E qual a opinião do senhor? DalmoDallari: Primeiro de tudo, do ponto de vista jurídico, essaproposta é absolutamente inconstitucional. Porque de fato aConstituição prevê como ela poderá sermodificada. Existe um conjunto de regras que tratam especificamenteda proposta de emendas da Constituição. Está noarquivo 60 da Constituição quem pode propor, como devetramitar uma proposta de emenda. No arquivo 60 estabelece inclusiveproibições, coisas que não podem ser mudadas nempor emenda constitucional. E é consenso entre os juristas, ématéria pacífica, estabelecida, que a Constituiçãotem um conjunto de regras que são fundamentais, que sãoindispensáveis para a manutenção dascaracterísticas básicas do sistema político, mastambém para a manutenção da integridade daConstituição. Esse conjunto é conhecido entre osjuristas como as cláusulas pétreas. Pétreas depedra, que não pode ser removida, são regras que nãopodem ser retiradas.Também é praticamenteunânime entre os juristas a idéia de que o processo demudança da Constituição faz parte das cláusulaspétreas. A Constituição só pode sermudada pelo processo que ela própria estabelece. E esteprocesso em especial, entre outras coisas, exige um quorum bem maiselevado. Porque o número de apoio na Câmara, o númerode apoio no Senado, deve ser muito superior àquele necessáriopara aprovação de uma lei comum, de uma lei ordinária.E isso foi estabelecido pela Constituinte, exatamente para darestabilidade à Constituição. Para nãotornar muito fácil a mudança da Constituição,que de certo modo, esse objetivo tem sido atingido, embora sejaexagerado o número de emenda constitucionais no Brasil.