Agência Brasil
Brasília - Para o professor deDireito da Universidade de São Paulo, Dalmo Dallari, aproposta de convocação de uma AssembléiaConstituinte exclusiva para a reforma política deve “morrer”logo. Isso não significa, para ele, que não haja anecessidade de mudar o atual sistema político para garantirtransparência, combater a corrupção e ampliar aparticipação social. Dois pontos são essenciais: voto distrital e financiamento público de campanha.Na segunda parte daentrevista à Rádio Nacional, o jurista defendeu anecessidade da reforma política com alteraçõespor meio de emendas constitucionais para combater o “circo” noCongresso Nacional atualmente sobre discussões e denúnciasde corrupção. “Na maioria dos casos, o grandebeneficiário da corrupção é um grupoprivado. Mas de qualquer maneira ela acontece com ampla, intensaparticipação de parlamentares eleitos, representantesdo povo. Então por isto é indispensável areforma política”, disse.RádioNacional: Como fazer a reforma política sem destruir aConstituição?Dalmo Dallari: Atravésde propostas de emendas constitucionais. Eu já estiveexaminando, naturalmente interessado no assunto. Constitucionalistas,examinei com todos os pormenores, com todo o cuidado. Éperfeitamente possível fazer a reforma constitucional, aemenda da Constituição aperfeiçoando o sistemapolítico, sobretudo o sistema político-eleitoral.Exemplificocom dois pontos, que ao meu ver são básicos efundamentais. Um deles é a introdução do sistemade distritos eleitorais. Eu acho isso extremamente importante paradar mais legitimidade. O distrito é isso, é vincular ocandidato a uma área relativamente pequena, onde ele vive, coma qual ele tem vínculo. Então o eleitor terámais possibilidade de saber quem é o candidato. No estado deSão Paulo, por exemplo, um candidato recebe votos no norte, nosul, leste, oeste, no centro, na capital, no interior. E um candidatodemagogo ou corrupto vai comprando votos em cada parte do estado eacaba se elegendo. E ele não tem vínculo nenhum, nãotem vínculo com ninguém. E os eleitores muitas vezesforam enganados porque apareceu aquele homem bem falante, com umapublicidade rica, intensa. Isso engana o eleitor.Entãoesse é o primeiro momento, é o momento de escolha. Odistrito eleitoral permite uma escolha muito melhor. E a par disso,em continuação, o candidato eleito por um distrito seráfacilmente controlado pelos eleitores do distrito. E o que nósestamos vendo agora, escancaradamente, é que deixar que ospróprios parlamentares controlem os parlamentares é ternada. É por "o bode guardando as couves". Naverdade, é fundamental que o povo tenha possibilidade de fazera boa escolha e de fazer o controle. Então esse é umdos pontos que pode ser mudado sem Constituinte, pelo processo comum,por emenda como está previsto na Constituição.Eo segundo ponto também, bem fundamental, é ofinanciamento público das campanhas eleitorais. Entãoisso significa, quem quiser dar dinheiro - empresa, pessoas, quemquiser - dá o dinheiro para um fundo, que é um fundocomum a todos os partidos. Então isto impede o "comprador"de deputados ou o deputado que se vende a um grupo econômico.Ou se vende a um grupo político, a uma elite social. Entãosão pontos básicos, como você vê, e quepode ser mudados por meio de emenda constitucional comum, normal. Semnenhuma necessidade de que se fale em Constituinte. Por todas essasrazões, eu sou absolutamente contra a idéia ou umaeventual proposta de Constituinte. Quer dizer, Constituinte éum fato excepcional na vida de um povo que só deve ocorrerquando houver uma situação traumática, umasituação grave que envolva todo o povo. RádioNacional: Existe vontade política dos nossos congressistaspara uma reforma política?Dalmo Dallari: Nósestamos discutindo esse aspecto, eu e outros juristas, e mesmopessoas que não são da área jurídica, euma das conclusões é que é perfeitamentepossível que o próprio povo, através dasorganizações sociais, através de sindicatos, degrupos comunitários, é possível que o povoprepare as propostas de emenda. E a própria Constituiçãoprevê a hipótese da iniciativa popular. E uma emendaproposta pelo povo forçosamente terá que ser debatida.O parlamentar não pode ignorar aquilo que o povopropôs. Evidentemente neste momento, é fundamental opapel da imprensa. Que a imprensa estimule este debate , que estimulea divulgação para que da base social venha a pressão,que no caso é absolutamente legítima, sobre osparlamentares, para que eles respeitem a vontade do povo. E levem asério a proposta de emenda constitucional e façamefetivamente a reforma política.Rádio Nacional: Por que, na avaliação do senhor, é necessáriouma reforma política?Dalmo Dallari: É necessáriopelo "circo" que nós estamos vendo que éhoje o Congresso Nacional. Isso está diretamente ligado aosistema de partidos, ao sistema de escolha de representantes. AConstituição de 1988, pela primeira vez na história doBrasil, diz que o sistema brasileiro é democrático, queo poder vem do povo. E que o povo exercerá este poder ouatravés de representantes ou diretamente. Esse diretamente,infelizmente, é pouco porque o nosso povo não temtradição de participação direta napolítica. Nós não estamos organizados para isso.Então dependemos fundamentalmente da representação.Os representantes, aqueles eleitos pelo povo, é que governamem nome do povo. E nós estamos vendo que coisa horrorosa,decepcionante, entristecedora é o Congresso Nacional hoje.Vários membros do Congresso Nacional disseram, e disseram pelaimprensa, em voz alta, que nunca o Congresso Nacional desceu a umnível tão baixo. E nós vemos, por exemplo, o usode palavras grosseiras. E às vezes se referindo ao presidenteda República. Um senador da República referindo-se aopresidente com fraseado, com palavra de moleque de rua. Não éo que se espera de um parlamentar, de um senador, de um políticoeminente. Veio, na verdade, a um nível muito baixo. E arevelação de corrupção, com uma forteparticipação dos parlamentares - é preciso nãoesquecer que muito desta corrupção é em favor degrupos privados. É em favor de empresas. Então nãoficar com a idéia de que o corrupto é o setor público.E que o setor privado é puro. Não é assim. Namaioria dos casos, o grande beneficiário da corrupçãoé um grupo privado. Mas de qualquer maneira ela acontece comampla, intensa participação de parlamentares eleitos,representantes do povo. Então por isto é indispensávela reforma política.Rádio Nacional: Entãoa Constituinte exclusiva é um assunto que não deveprosperar?Dalmo Dallari: Não deve prosperar. E hoje jáhá muitos pronunciamentos de juristas chamando a atençãopara isto e demonstrando que uma proposta dessas éinconstitucional. Então não tem sequer a possibilidadede ser discutida no Congresso Nacional. Eu acho que é umassunto que deverá morrer daqui a poucos dias.