Gastos com programa de aids podem ser insustentáveis, aponta especialista

04/06/2006 - 8h32

Cristiane Ribeiro
Repórter da Agência Brasil

Rio - A política brasileira de prevenção e combate à aids foi elogiada na semana passada em relatório do Programa da Organização das Nações Unidas para a Aids (Unaids). Um artigo assinado pelo diretor do Instituto de Saúde Pública de São Paulo, Alexandre Grangeiro, em parceria com outros especialistas, publicado na Revista Saúde Pública, também elogia a atuação do governo no tratamento da doença, mas lembra que os gastos com o programa são
excessivos e podem colocar em risco a sustentabilidade das ações.

Grangeiro concedeu entrevista ao programa Notícias da Manhã, da Rádio Nacional, e falou sobre a política brasileira para o tratamento da aids. A seguir, a íntegra da entrevista:

Agência Brasil: Quando o senhor faz essa avaliação, junto com outros especialistas, primeiro se parte do princípio de que o programa brasileiro é reconhecido internacionalmente?

Alexandre Grangeiro: Exatamente. Quando comparamos os dados no início da epidemia, nos anos 80, 90, como também comparamos internacionalmente, os resultados são muito positivos. O Brasil conseguiu controlar a epidemia, estabilizar o número de novos casos, reduziu a mortalidade, reduziu o número de internações, controlou a transmissão da doença nas transfusões de sangue e, inclusive, controlou a transmissão da mãe para o filho na gravidez. Entretanto, esses resultados têm que ser mantidos e ampliados e esse foi o objeto da análise que realizamos.

ABr: Qual o gasto brasileiro com o programa de prevenção e tratamento da aids? Na sua avaliação, esse gasto termina prejudicando o tratamento de outras doenças?

Grangeiro: Hoje, o gasto com medicamentos para aids é em torno de R$ 1 bilhão. Temos que pensar que hoje o Brasil estaria gastando muito mais com internações, com outras medicações se não tivesse fornecido medicamentos gratuitamente para todos os pacientes. Grande parte dos resultados alcançados no Brasil em relação à aids se deve a esses
remédios e à política do governo em garantir o acesso universal. Entretanto, a partir de 2004, esses gastos vêm aumentando de forma significativa porque os medicamentos novos que estão sendo introduzidos e incorporados pelo Ministério da Saúde são importados e de alto preço. O aumento desses gastos tem sido maior do que o aumento do orçamento do Ministério da Saúde, fazendo com que a decisão política de manter esses tratamentos possa começar a comprometer os gastos com outras doenças, especialmente na questão da assistência farmacêutica, ou seja, outras doenças que também necessitam de medicamentos vão ter menos recursos disponíveis.

ABr: O que o estudo sugere?

Grangeiro: Então, o que o estudo demonstra é que é possível o governo interferir neste processo de tal forma a reduzir o preço, garantindo a distribuição universal do medicamento, inclusive podendo ampliar as ações para outras doenças. O estudo mostra que o governo precisa ter atenção, que os gastos estão aumentando de forma muito acelerada, mas se ele intervir pode reduzir o preço, e a melhor forma da intervenção é uma política que o brasileiro já se acostumou no dia-a-dia, que é a produção de medicamentos genéricos, ou seja, o governo hoje tem uma rede de laboratórios estatais que tem competência técnica para produzir medicamento genérico, então basta uma decisão dele para que esses laboratórios investiguem, desenvolvam e tornem disponíveis medicamentos genéricos para a aids de uma forma mais efetiva do que vem ocorrendo até agora.