Thaís Brianezi
Repórter da Agência Brasil
Manaus – O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) emitiu na sexta-feira passada, dia 27, e cancelou na segunda-feira (30) o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) de duas áreas contínuas, que totalizam 485 mil hectares, em nome de Mustaf Said, apontado em 2002 como um dos maiores grileiros do Amazonas pelo relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a ocupação de terras públicas na região amazônica, conhecida como CPI da Grilagem.
A emissão do registro da terra aconteceu em cumprimento a uma determinação do juiz Francisco Auzier, desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM). "A ordem judicial era inválida, porque as terras federais não são de competência da justiça estadual", declarou o superintendente regional do Incra, João Pedro Gonçalves. "Mas o advogado e o oficial de Justiça chegaram aqui na sexta-feira às 18h30, quando o expediente já tinha terminado. O nosso fiscal de cadastro agiu por coação. Na segunda-feira, quando soube do fato, mandei imediatamente cancelar o registro".
No relatório da CPI da Grilagem há 16 páginas sobre Mustaf Said, que chegou a prestar depoimento aos deputados federais, em março de 2001. Elas contam que em 1898 o governo do Amazonas expediu à família Said títulos de imóveis das glebas São Pedro e São Pedro I, com 660 e 740 hectares, respectivamente, localizadas no sul do estado, em Pauini (a 935 quilômetros de Manaus).
Em 1974, graças a uma ação de usucapião julgada em tempo recorde (dois meses) pelo juiz Rui Morato, da comarca de Lábrea, município vizinho a Pauini, Mustaf Said conseguiu unificar os lotes e ampliar o registro de sua propriedade para os 485 mil hectares em questão.
Mas em 1999 o Incra publicou a Portaria 558, que inibiu os registros de imóveis acima de 10 mil hectares, em todo o Brasil. O objetivo da medida era obrigar o recadastramento das propriedades, para que se pudesse verificar a legitimidade e a regularidade do domínio delas. Desde então, Said briga na Justiça para conseguir reativar o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, sem o qual não pode obter autorizações para desmatamento e aprovar Planos de Manejo no órgão ambiental competente ou conseguir financiamento para produção, por exemplo.
Na quarta-feira (1º) o Incra enviou um ofício ao desembargador-corregedor do TJAM, no qual afirmava que entraria com uma representação no Conselho Nacional de Justiça para que atos da justiça estadual que lesionem o patrimônio da União não voltem a se repetir. O assessor do desembargador Auzier, Fábio Alfaia, afirmou hoje (3) à Radiobrás que o juiz não irá se manifestar sobre o caso.
A reportagem procurou também o advogado de Said, Reinaldo Correa Arce. Mas a cunhada dele, Julena Arce, informou que o advogado estava viajando e que não dispunha de telefone para contato. Na prefeitura de Lábrea, onde Mustaf Said já foi prefeito, o servidor público João Maia forneceu dois números de telefones que supostamente seriam do acusado – um de aparelho fixo e outro móvel (celular). Mas as duas pessoas que atenderam as ligações, depois de perguntarem quem gostaria de falar com Said, disseram que os telefones não eram mais dele e que não tinham seu novo número de contato.
Em Pauini, o prefeito em exercício, Raimundo Araújo, informou que o seringal São Pedro fica a três dias da sede do município, em viagem de barco – e que não há ligação por terra para lá. Segundo ele, na região há apenas "quatro ou cinco moradores", espalhados ao longo do rio Pauini, distantes um do outro.