Presidente da Venezuela convida movimentos sociais a ''tomar o poder''

30/01/2006 - 11h45

Spensy Pimentel
Enviado especial

Caracas (Venezuela) – Mais que uma provocação, o encontro dos representantes da Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na noite de ontem (29), tornou-se um convite à tomada de poder. "Só apontando ao poder, podemos começar a mudar o mundo", disse Chávez aos militantes, que conversaram com ele por mais de quatro horas, com transmissão ao vivo pela VTV, emissora estatal venezuelana.

A tese de Chávez é que os movimentos sociais precisam, primeiro, entender de forma mais ampla o que significa o poder, levando em consideração suas dimensões econômicas e militares, além das políticas. Ele sugeriu, por exemplo, que os movimentos deveriam priorizar não o pedido de cancelamento das dívidas externas dos países pobres, o que, na avaliação dele, envolve uma complicada articulação internacional, mas a nacionalização de recursos naturais. Segundo ele, ter o controle sobre petróleo, gás ou água pode trazer mais recursos financeiros que o perdão da dívida.

Citando como exemplo o que considera uma ampliação do controle nacional venezuelano sobre seus recursos petroleiros, Chávez salientou que está fazendo convênios com países latino-americanos para trocar parte do valor do combustível que lhes vende por bens e serviços que esses países sejam capazes de fornecer. Argentina e Uruguai, por exemplo, estão pagando a Venezuela com vacas prenhas, informou o presidente, enquanto Cuba, com o trabalho de médicos e professores.

Além disso, acrescentou Chávez, a Venezuela está buscando os governos dos pequenos países do Caribe para a negociação direta de petróleo, eliminando os intermediários (traders) internacionais e baixando o preço final do produto. "Isso rompe com o capitalismo. Isso é a Alba [Alternativa Bolivariana para as Américas]", afirmou. O venezuelano convidou os representantes de movimentos sociais latino-americanos a participar da Alba com iniciativas como a retransmissão da programação da Telesur, o canal internacional de televisão criado pelo governo Chávez com o objetivo de colaborar para a integração dos países da América do Sul.

Aos militantes, Chávez lembrou ainda que, na 3ª Cúpula das Américas, realizada em Quebec (Canáda), em 2001, a Venezuela tinha ficado praticamente sozinha na defesa de uma posição contrária à implementação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos Estados Unidos. Em Mar del Plata, onde foi realizada a 4ª Cúpula, em novembro último, apoiado por Brasil, Argentina e Uruguai foi possível rechaçar com muito mais facilidade a proposta de retomada das discussões sobre a Alca, acrescentou Chávez. Sem essa tomada de poder, disse o presidente, "não poderíamos deter o avanço imperialista".

Como analogia à posição de movimentos sociais que declaram "aversão ao poder", Chávez lembrou as palavras que ouvia de companheiros de cárcere, quando ficou preso por tentar um golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Perez, em 1992. "Eles tinham a tese de que se eu saísse da prisão ia acabar o mito", contou o presidente venezuelano. Se tivesse seguido os conselhos dos amigos da prisão, observou, estaria hoje "muito mais culto, em compensação, muitas coisas não teriam mudado no país".

Outro ponto abordado por Chávez na conversa foi a importância de os participantes do Fórum Social Mundial apresentarem propostas concretas de alternativas ao atual sistema. Ainda na discussão sobre poder, ele também apontou a necessidade de implementar a democracia participativa. "A democracia representativa é uma armadilha", argumentou Chávez, "porque sempre se converte no governo de um grupo pequeno sobre a maioria da população, mesmo quando sua instalação é resultado de um ato revolucionário".