Paulo Machado e Eliane Gonçalves
Enviados especiais
Morro Alto (RS) - Um dos principais os impactos ambientais que a obra de duplicação de rodovia BR-101 Sul está causando é a alteração do ambiente onde vivem as comunidades remanescentes do Quilombo de Morro Alto, no município de Maquine (RS). Segundo a antropóloga Cíntia Beatriz Muller, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), são 230 famílias que reivindicam uma área de aproximadamente 4.630 hectares.
A pesquisadora explica que os quilombolas de Morro Alto são provenientes de um antigo quilombo formado por velhos libertos pela Lei dos Sexagenários (1885), foragidos, escravos em trânsito entre senzalas, e africanos livres desembarcados ilegalmente no litoral. Há uma especificidade de que uma ex-senhora de escravos da região, chamada Rosa Osório Marques, doou em testamento um legado de terras para alguns de seus ex-escravos.
Morro Alto também é famoso desde 1872 por seu "Maçambique", congada que se realiza anualmente no dia 13 de maio, quando Nossa Senhora do Rosário visita São Benedito na localidade de Aguapés, e em outubro, na cidade de Osório (RS). Atualmente, grande parte dos dançantes e demais componentes do grupo vivem em Osório, mas os ex-maçambiques de Morro Alto, seguidamente, rememoram sua impressões das festas de antigamente.
A comunidade negra de Morro Alto e seus vários núcleos estão localizados ao longo da BR-101 que, atualmente, está sendo duplicada. De acordo com informações registradas pelo Observatório Quilombola (www.koinonia.org.br), em audiência pública realizada no Ministério Público Federal, em julho de 2005, foi oficializado compromisso por parte do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) de suspender o pagamento das indenizações no trecho Osório, Maquiné, na área que se encontra sob análise por parte do Incra/RS, para a titulação do quilombo de Morro Alto.
Nessa mesma audiência, o Incra se comprometeu a elaborar o levantamento da cadeia dominial para apurar quem são os verdadeiros donos das terras, uma vez que há controvérsias entre os quilombolas e pequenos agricultores que reivindicam para si a propriedade. Na ocasião, o representante da Secretaria Especial de Promoção Politicas de Igualdade Racial (Seppir), Ivan Brás, afirmou que "é de interesse do governo federal tanto a manutenção dos quilombolas em sua área quanto à duplicação da BR-101". Enquanto o caso não se resolve na justiça, o procurador-geral do Dnit, Júlio Cezar Pereira, afirmou que o dinheiro das indenizações será depositado em juízo.
Na mesma audiência, provocada pelos quilombolas e pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o presidente da Associação Comunitária Rosa Osório Marques, Wilson Marques da Rosa, denunciou "o uso indiscriminado dos recursos naturais da comunidade nas obras de duplicação da BR-101". A construção do complexo de túneis de Morro Alto, que encurtará o traçado da estrada em 11 quilômetros, "abre um rombo imenso, indescritível, em área quilombola, que também é uma área de reserva da biosfera que possui os últimos resquícios nativos de Mata Atlântica no estado do Rio Grande do Sul", afirmou o líder quilombola.
Para a coordenadora-geral de Meio Ambiente do Departamento Nacional de Infra Estrutura de Transportes (Dnit), Ângela Parente, a alternativa para amenizar o impacto foi a construção do túnel de Maquiné, em Morro Alto. "Provavelmente essa também será a solução para transpormos o Morro do Algodão, em Santa Catarina, ocupado por uma aldeia indígena Guarani", concluiu.
Inaugurada em 1968, a rodovia, que atravessa 27 municípios no trecho entre Florianópolis (SC) e Osório (RS), na época se constituiu na principal via de comunicação para os habitantes ribeirinhos. Agora a estrada precisa crescer, dobrar de largura, para dar passagem a oito mil caminhões, centenas de ônibus e 20 mil carros de passeio que diariamente trafegam rumo ao norte ou ao sul, não mais só da região ou do estado, mas do continente, se constituindo em um dos principais canais para a integração dos países da América do Sul.