Especial 10 – BR-101 Sul é um desafio para a engenharia nacional

30/01/2006 - 19h58

Paulo Machado e Eliane Gonçalves
Enviados especiais

Porto Alegre – A maior obra de engenharia rodoviária dos últimos anos no Brasil é a duplicação da rodovia BR-101 Sul entre Palhoça (SC) e Osório (RS) ao longo de 345 quilômetros. O projeto prevê a construção de 62 viadutos, 74 passarelas para pedestres, 51 passagens inferiores para animais, 50 pontes sobre rios e alagadiços e quatro túneis, alem da execução de 22 programas sócio-ambientais desenvolvidos concomitantemente com a obra.

O desafio da engenharia brasileira é construir uma estrada sobre terrenos pantanosos, solos movediços e instáveis, na maior parte do ano alagados. Sobre eles trabalham as 10 empreiteiras que venceram as licitações para a duplicação. "São solos podres, que não dão sustentação para o aterro da rodovia e, por isso, precisam ser removidos e substituídos por uma camada de areia que varia de dois a três metros de altura, antes de iniciarmos o aterro propriamente dito", explica o engenheiro Eduardo Dutra, responsável pela construção em um dos 13 trechos de aproximadamente 30 quilômetros em que foi dividida a obra.

A areia é utilizada por ser permeável à água do terreno que aflora a superfície durante todo o período chuvoso. Se para a construção da estrada essa água é um obstáculo, para os rizicultores (plantadores de arroz) ela é um insumo fundamental que há décadas lhes permite extrair desse solo encharcado, a maior parte da produção de arroz de Santa Catarina.

As grandes máquinas que removem o solo podre trabalham sobre esteiras de toras de madeira para não submergirem na "lama preta" e sustentarem seu peso no terreno. As máquinas vão tirando as esteiras de um lado e estendendo para o outro para se locomoverem. Milhares de viagens de caminhões levam o material dispensado e colocam em seu lugar os dois milhões de metros cúbicos de areia e saibro que fazem a base do aterro. Essa camada suportará a nova pista da rodovia, implantada ao lado da já existente, ora pelo lado direito, ora pelo lado esquerdo.

Nesse aterro são plantados drenos - tubos plásticos instalados de metro em metro que têm a função de dar vazão à água do solo. Ao ser pressionada pelo peso do aterro, a água encontra nesses tubos o espaço para emergir e permitir que o aterro se acomode. De acordo com o engenheiro Eduardo Dutra, esse processo leva um tempo para acontecer. "Esse tempo de espera, geralmente de seis meses, em que o aterro fica lá parado, com as pontas dos tubos plásticos para fora, plantados como se fosse o arroz, faz as pessoas pensarem que a obra parou, que foi abandonada", explica ao citar o orgulho em incluir a obra em seu currículo. "Poderei dizer: trabalhei na obra de duplicação da BR-101 Sul."

Saindo da terra mole, as grandes máquinas se deparam com rochas que formam as montanhas da serra que se espraia sob os alagadiços chegando até a beira do mar, formando pequenas colinas ou morros que, às vezes, invadem a água salgada debruçando-se sobre o mar e as lagoas da região. Nesse caso, são utilizadas toneladas de explosivos para quebrar a rocha antes dela ser removida por maquinas e caminhões. Às terças e quintas, do meio-dia às 14h00, são feitas as detonações e o tráfego é interrompido.

Mas há montanhas que não podem ser removidas como é o caso do Morro do Algodão que abriga uma aldeia indígena Guarani, o Morro do Formigão em cujo sopé há um conjunto de casas populares que poderiam ser atingidas pelas detonações, ou ainda o Morro do Maquiné onde uma comunidade quilombola vive há mais de um século em uma das ultimas reservas da Mata Atlântica.

A solução então são os túneis, "que causam o menor impacto ambiental e atravessam as montanhas sem mexer com elas", explica o engenheiro Cavour Modesto Junior, gerente de obras subterrâneas da empreiteira responsável pela construção do complexo de túneis de Morro Alto, um dos engenheiros brasileiros que se destaca entre os maiores especialistas em túneis, tendo em seu currículo obras como o túnel Rebouças no Rio de Janeiro e o Metrô de São Paulo.

Do outro lado da montanha, outra frente de trabalho vem em sentido contrário, perfurando os dois túneis de 1800 metros, cada um, construídos em paralelo um com o outro. O engenheiro explica que as duas frentes de trabalho se encontrarão no meio da montanha, formada por rocha basáltica, dentro de seis meses. Guiadas por satélites, as duas turmas podem se desencontrar, no máximo, por alguns milímetros uma da outra.