Entrevista 2 - Pablo Sólon diz que Morales não precisa seguir passos de Lula

21/01/2006 - 19h34

Alessandra Bastos
Enviada especial

La Paz (Bolívia) - No segundo trecho de sua entrevista à Radiobrás, o coordenador do Movimento Boliviano de Luta contra os Tratados de Livre Comércio (TLC), Pablo Sólon, afirmou que está "um pouco decepcionado" com o governo Lula e que Evo Morales não precisa seguir os passos do presidente brasileiro.

Radiobrás:Além da questão das reservas de gás, que temas estratégicos estarão na pauta Brasil-Bolívia com a posse de Morales?

Pablo Sólon: Um ponto importante é que o Brasil quer construir hidrelétricas. Isto necessita de uma negociação. Porque o Brasil diz que as hidrelétricas vão aumentar a demanda de gás, mas diz isso para negociar um preço mais favorável do gás. Queremos que o Brasil diga: temos que negociar de igual para igual e não de um irmão maior para um menor. Isto ocorreu no passado.

Outro tema é o Mercosul para nossas indústrias, que produziam para o nosso mercado interno. Para nós, pequenos produtores camponeses, não houve benefícios. Ao sermos barrados, entraram massivamente produtos da Argentina e do Brasil e isso acabou com nossos setores produtivos. Hoje é preciso fortalecer, na Bolívia, o produto agrícola e as comunidades de camponeses. E isso passa de proteger o mercado também da produção argentina e brasileira, que inunda nossos mercados. Isso precisa ser negociado entre os três países.

Radiobrás: E como o senhor vê o governo brasileiro?

Sólon: Pessoalmente estou um pouco decepcionado. Quando Lula subiu, todos esperávamos uma mudança, que não ocorreu. Vimos um Lula que, na essência, manteve um modelo neoliberal, além do envolvimento nos escândalos de corrupção. Evo não tem que seguir o caminho de Lula. Se segue, vamos ter uma situação muito complicada aqui.

A diferença entre Brasil e Bolívia é a força dos nossos movimentos sociais. É muito difícil pensar que Morales pode fazer o que fez Lula porque os movimentos não aceitariam.

Radiobrás: A Bolívia esperava uma política mais dura de Lula frente aos organismos internacionais e aos Estados Unidos. É isso?

Sólon: Sim. Por exemplo, a posição do Brasil na última reunião da Organização Mundial do Comércio [OMC] foi ruim. Permitiu que o acordo que queriam os Estados Unidos tenha prosperado. Se Brasil tivesse tido uma posição mais firme, isto não teria ocorrido.

Em relação à terra, não vimos uma reforma agrária como esperávamos aqui na Bolívia. Os movimentos sociais estão mobilizados neste tema. Esperamos que Evo faça uma reforma. Em relação ao Fundo Monetário Internacional (FMI), Lula negociou o mal menor, mas seguiu na mesma direção. Nós acreditamos que tem que mudar.

Radiobrás: O senhor teme que a desilusão com Lula seja a mesma com Evo?

Sólon: Acredito que esta possibilidade não está próxima. Primeiro porque ele tem a maioria no Congresso. Há uma situação favorável que é o apoio social mais ativo. No Brasil, o povo votou no Lula e depois ficou esperando. Aqui, acredito que esta situação seja diferente. A Comissão de Transição tem representantes de todos os movimentos para ver o que será feito um vez que esteja no poder.

A debilidade do governo Evo, que é um ponto forte no de Lula, é que o presidente brasileiro tem um partido mais estruturado, com quadros, especialistas... O Movimento ao Socialismo (MAS) tem alguns intelectuais, mas eles não têm experiência de controle de gestação pública, de administração pública. Faremos diferente. Não seguiremos Lula.