Entrevista 1 - Militante boliviano diz que tratados de livre comércio são piores que Alca

21/01/2006 - 8h29

Alessandra Bastos
Enviada especial

La Paz (Bolívia) - Em entrevista à Radiobrás, o coordenador do Movimento Boliviano de Luta contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs), Pablo Sólon, comentou esses tratados, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e o Mercosul. Falou também sobre a Petrobras e as relações com o Brasil.

Radiobrás: Como está a Alca para os países latinos?

Pablo Sólon: A estratégia dos Estados Unidos é iniciar TLCs [tratados de livre comércio] bilaterais por regiões. No final, o que vamos ter é uma Alca construída em pedacinhos, pouco a pouco, partindo o Mercosul. O TLC é pior que a Alca. Os EUA, quando negociam com os países soltos e menores, como Colômbia, Peru, Equador, pedem muito mais do que estavam pedindo originalmente.

Radiobrás: Por quê? O senhor pode explicar melhor as relações comerciais firmadas por esses tratados?

Sólon: O TLC não é propriamente um acordo comercial, mas de proteção dos investimentos transnacionais norte-americanos, permitindo agir por fora da jurisdição do país latino. O Brasil não tem nenhum. A Argentina foi invadida por 44 diferentes transnacionais, que movimentam aproximadamente US$ 20 milhões. A água potável argentina possui seis processos judiciais, que somam aproximadamente US$ 6 milhões. Eles foram criados porque a Argentina mudou a diferença entre o dólar e o peso durante sua crise econômica. As transnacionais pediram uma compensação pela perda, que são as arbitragens privadas. Isto para a América Latina é um atropelo à soberania e à capacidade do próprio Estado de regular sua economia e suas empresas.

Radiobrás: E a Bolívia? O país tinha 55% da demanda de água em Cochabamba comandada por uma transnacional americana e 25% pela Espanha. Como conseguiu nacionalizar?

Sólon: A Bolívia entregou, em 1999, o serviço público de água da cidade de Cochabamba. Isso gerou uma guerra em Cochabamba e tivemos nossa primeira vitória. Fruto de uma grande campanha que foi feita na Bolívia, Estados Unidos, Holanda e Europa, para romper o contrato, a empresa decidiu vender suas ações ao Estado boliviano em abril 2000. Foi um escândalo. Mas aí, a transnacional americana pediu uma compensação de U$ 25 milhões a U$ 100 milhões por meio de um tratado de investimentos, muito parecido com o TLC.

A segunda batalha foi de pressão nos Estados Unidos. O município de São Francisco aprovou uma resolução do conselho municipal pedindo que se retirasse a demanda contra a Bolívia, que era insustentável e injustificável pedir US$ 25 milhões a U$ 100 milhões a um país como a Bolívia, que tem tantas carências. Outro problema é que o investimento não chegou a US$ 500 mil, ou seja, não poderiam estar pedindo tanto dinheiro. A partir daí começou a retirada do neoliberalismo na Bolívia, na guerra pelo gás e em outra guerra pela água, agora aqui em La Paz.

Radiobrás: A guerra em relação à nacionalização da água é a mesma travada hoje para a nacionalização do gás?

Sólon: Atualmente temos umas dez empresas petrolíferas no país. Todas funcionam por meio de tratados bilaterais de investimentos idênticos aos TLCs. Nossa Constituição fala, no artigo 135, que toda empresa está submetida às autoridades da República Boliviana.

O governo de Sanchez de Lozada (1993-1997) promulgou uma Lei de Hidrocarbonetos que era muito favorável às transnacionais. Dela se beneficiaram Espanha, Estados Unidos e também o Brasil. O problema da lei aprovada por Lozada é que entregou a propriedade, as reservas de gás. Não é como os outros países onde se faz um contrato para explorar, não para ser dono.

Radiobrás: Como fica a Petrobras nesse novo contexto?

Sólon: A Petrobras é a mais importante das empresas petrolíferas na Bolívia. O governo boliviano dá uma tratamento especial à Petrobras em relação às outras. A Petrobrás tem que admitir que se beneficiou de algo que não é justo. Esperamos que ela tome a iniciativa de renegociar a sua situação, de não aceitar um benefício de entrega total promovida pelo governo. E que desta iniciativa se feche um acordo em conformidade com a Lei: de que as reservas são de domínio boliviano.

A atitude com as outras empresas é mais dura. A empresa da Espanha escreveu na Bolsa de Valores as reservas como sendo suas. Não pode ser. Eles escreveram para que as ações subam e a exportação de gás se estenda por dez anos porque, na Bolsa, se avalia o patrimônio pelas suas expectativas.

Radiobrás: E o que a Bolívia pretende fazer?

Sólon: A Lei nos dá razão. Eles fizeram uma fraude fiscal, legalmente fizeram uma coisa ilegal. Todas as reservas são propriedades do Estado e não se pode vender nem transferir. Todo o gás em boca é propriedade de Estado. A nova lei, aprovada no ano passado, aumentou para até 50% a cobrança de impostos. A Bolívia calcula que o aumento dos tributos vai gerar de US$ 350 milhões a US$ 500 milhões por ano. A experiência mostra que se pode reduzir o déficit fiscal aumentando a receita.