No Alto Rio Negro, indígenas se alimentam de peixes regionais criados em cativeiro

20/01/2006 - 6h01

Thaís Brianezi
Repórter da Agência Brasil

MANAUS – Cerca de 45 mil alevinos (exemplares jovens de peixe) de nove espécies do Alto Rio Negro, no Amazonas, estão sendo produzidos por ano pelo trabalho conjunto do Instituto Sócio-Ambiental (ISA) e da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN). Oitenta pisicultores trabalham no projeto de criação de peixes regionais em cativeiro, que garante uma fonte de proteína para dez comunidades indígenas, das etnias Tikuna, Baniwa, Macu, Dessana, Tariano, Wanana e Tuyuca.

"Nem todos os rios da Amazônia são ricos em peixes. Historicamente, São Gabriel da Cachoeira [município onde o projeto é desenvolvido] é pobre", explicou o engenheiro de pesca coordenador do projeto, Mauro Lopes, em entrevista ao programa Ponto de Encontro, produzido pela Rádio Nacional da Amazônia.

Segundo dados do ISA, os indígenas representam 90% das cerca de 15 mil pessoas que moram no Alto Rio Negro, região que abriga 23 etnias. Ali, a pesca comercial está proibida dede novembro de 2001 por causa um decreto do governo estadual. Lopes diz, no entanto, que a escassez natural de peixes vem sendo agravada há décadas pelo avanço do processo civilizatório. "Antigamente, a população sabia viver com essa escassez. Mas agora as pessoas se concentraram em certos locais, em função das missões católicas e de suas escolas. Isso aumentou a pressão sobre os recursos naturais", observou. "Outra conseqüência negativa é a quebra no repasse do conhecimento de geração em geração. A autoridade do cacique não é mais como antigamente, já não existe mais o pajé. Isso também contribui par o uso predatório dos recursos, porque não há normas nem regras", acrescentou.

Na avaliação dele, o sucesso do projeto foi conseguir "domesticar" espécies locais, o que só foi possível pelo casamento entre a ciência dos brancos e o saber dos indígenas. "A gente não tem noção da biologia e da ecologia desses peixes. Para saber do que eles se alimentam, teria que fazer uma pesquisa cara e demorada. Mas é só perguntar aos pescadores: o que esse peixe come?, e eles mostram", contou.

Além de 100 tanques familiares de criação dos peixes, o projeto construiu três centros comunitários onde são produzidos os alevinos e as "mudas" (filhotes) que abastecem os criadores. Cada estação fica localizada próxima à cabeceira dos rios onde as comunidades beneficiadas se localizam: Tiquié, Uapés e Içana.