Resultado de Hong Kong oferece perigos a indústria e agricultura familiar do Brasil, avalia técnico

19/12/2005 - 16h51

Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A declaração final da 6ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), encerrada ontem (18) em Hong Kong, pode trazer mais complicações que benefícios para o Brasil. A avaliação é do técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), Ademar Mineiro. "O Brasil deveria ter jogado muito mais duro em Hong Kong e não ter aceito essa resolução. Os termos do debate que se está aceitando são muito perigosos", diz ele. A Rebrip enviou representantes a Hong Kong para acompanhar as discussões na semana passada.

A 6ª Conferência fixou o final de 2013 para o fim dos subsídios à exportação de produtos agrícolas. Mas, na visão do técnico, o acordo não significa necessariamente um avanço nas negociações. "O que está no texto é uma vontade de continuar conversando, porque diz que, para haver o fim dos subsídios, tem que ser alcançado um acordo progressivo e paralelo sobre modalidades. Como não existe esse acordo, se finalizou uma intenção de terminar com os subsídios".

A fixação da data não é rígida. Pelo contrário, a União Européia só vai acabar com os subsídios se outras condições comerciais forem oferecidas. "Eles condicionam a retirada de seus subsídios à importação a outras formas de subsídios dados por outros países, como a questão dos financiamentos feita nos Estados Unidos. Você teria que regular tudo isso para estabelecer como será feita essa redução. Enquanto isso não estiver acertado, você não tem a redução de subsídios", diz Ademar Mineiro.

Segundo o técnico, ainda é cedo para se falar em efeitos negativos, mas já se pode levantar perigos para os setores de agricultura e bens industriais trazidos pelo futuro "acordo de modalidades". "Perigos ficam apontados nas discussões, estão todos desenhados e sinalizados", ressalta o técnico.

Para ele, um dos setores que mais pode sofrer com o possível acordo é a agricultura familiar, já que o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) pode ser visto pelos europeus como uma política protecionista brasileira. "Se for considerado que o Pronaf acaba favorecendo a exportação de algum setor, o programa pode ser abrangido pela regulação de modalidade", explica.

Ele conta que a discussão ainda é embrionária e nada está decidido. "Se o Pronaf for considerado um incentivo à exportação pode ser reduzido? Vai ser possível estabelecer alguma salvaguarda interna para produtos específicos da agricultura familiar como, por exemplo, leite?", questiona. O acordo "pode piorar a situação para a agricultura familiar", alerta.

Para o técnico, a área de bens industriais também é preocupante dependendo da redução do nível de proteção à importação. Há setores, segundo ele, que, "reduzindo as tarifas, ficam expostos a importação de bens industriais de outros países".

Ademar Mineiro lembra que o Brasil já sofre as conseqüências desse tipo de redução em alguns setores hoje. "A gente já vem tendo problemas complicados na área de calçados com importação de produtos chineses, o que acaba reduzindo renda e emprego aqui dentro, causando ainda mais desemprego, que é um problema importante no Brasil".

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, esteve na China, em setembro, na tentativa de um acordo amigável para diminuir a venda desses produtos sem que o Brasil fosse obrigado a impor barreiras.

O técnico acrescenta que o tempo será curto para conseguir algum resultado. As discussões para o acordo estão marcadas para 30 de abril e 31 de julho, segundo ele. "São datas muito apertadas, tentaram avançar a discussão durante esse ano todo e não conseguiram. Não tem nada que indique que conseguirão. todos os impasses que persistem desde 2004 e, ao longo desses seis dias de reunião, precisam ser desmontados nos primeiros seis meses de 2006."