Érica Santana, Juliana Andrade e Spensy Pimentel
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - Hoje (16) é o dia Mundial da Alimentação. A data, celebrada em todo o mundo, marca a criação da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que em 2005 completa 60 anos. Durante o dia, mais de 150 países realizam atividades especiais, seminários e conferências com o objetivo de conscientizar as populações sobre a importância de uma alimentação saudável e sobre as dimensões da fome e da insegurança alimentar e nutricional.
No Brasil, as celebrações se estenderão por uma semana. Até o dia 22, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) promovem a Semana Mundial da Alimentação com a finalidade de estimular entidades da sociedade civil, ministérios, conselhos, governos estaduais e municipais a manter atividades relacionadas a agricultura, alimentação e diversidade cultural, tema deste ano.
Em entrevista exclusiva para a Agência Brasil, o representante da FAO no Brasil, José Tubino, fala sobre as políticas brasileiras de segurança alimentar e recomenda: o país precisa atentar para a necessidade de investir no desenvolvimento das comunidades atendidas pelo Fome Zero. Leia a seguir a primeira parte da entrevista.
Agência Brasil: O que sr. considera que representa o envio pelo governo desse Projeto de Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional ao Congresso?
José Tubino: A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional estabelece no país, de uma forma estável, um sistema nacional de segurança alimentar e nutricional. Esse é um passo muito importante. Já houve no Brasil algumas iniciativas muito importantes e interessantes, mas que infelizmente não tiveram a continuidade necessária.
Hoje se fala sobre o direito humano à alimentação, que seria a base teórica da lei. O direito humano à alimentação é o direito de ninguém padecer de fome. Por um lado há responsabilidades em vários níveis, não somente no âmbito do Estado. A responsabilidade também está acompanhada de direitos. A lei vai tratar de vários temas para assegurar a segurança alimentar de toda a população brasileira.
ABr: Qual é a importância dessa lei na perspectiva das Metas de Desenvolvimento do Milênio?
José Tubino: É um tema importante dentro das metas, que são formas muito concretas de orientar as políticas de desenvolvimento de um país. Se, no mundo todo, os países pudessem ter acesso à alimentação, à educação básica, à saúde, eu diria que teríamos dado um grande passo histórico no desenvolvimento da humanidade.
Por isso é que nós reconhecemos a importância dessa proposta de lei. Tomara que o Congresso brasileiro dê conta disso, dê a devida prioridade, porque nós pensamos que isso serviria já para estabelecer uma política de Estado no Brasil.
ABr: Como a FAO vê hoje o desenrolar das iniciativas ligadas ao Fome Zero?
José Tubino: A FAO desde o inicio reconheceu a importância do Fome Zero, que basicamente tem duas linhas de ação simultâneas. Uma é o atendimento emergencial e outra é basicamente o trabalho na área de desenvolvimento.
Nós achamos que a importância do Bolsa Família é a de atender a essas populações carentes, permitindo que elas comam. Mas outra área do Fome Zero a que nós damos muito importância é a área estruturante, como, por exemplo, o programa da compra direita de alimentos (o Programa de Aquisição de Alimentos, parceria do MDS com a Companhia Nacional de Abastecimento - Conab), que permite que os pequenos produtores das áreas carentes tenham acesso aos mercados.
Para nós, o Fome Zero é um pacto integrado de atividades desenvolvidas por muitos ministérios, com um trabalho muito importante do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, mas que precisa também da participação ativa de outros ministérios. E, além disso, da participação direta e concreta dos governos estaduais e municipais para complementar ações em conjunto com as atividades que estão sendo desenvolvidas em âmbito local pela sociedade civil.
Nós estamos falando de um grande esforço da sociedade, não apenas do governo federal. Eu diria que é um conjunto de forças que têm que se unir para combater o grande problema da pobreza, e o grande problema de desnutrição crônica, e também de várias doenças que estamos testemunhando com o problema da alimentação sem qualidade.
ABr: O Fome Zero está no caminho certo para que o país atinja uma das Metas do Milênio, que é diminuir a fome e a pobreza no país em pelo menos 50% até 2015?
José Tubino: Nós estamos no caminho e estamos caminhando. Mas o que nós temos que ver é a que velocidade nós estamos caminhando. Eu diria que alguns programas como o Bolsa Família estão caminhando a uma velocidade maior. Nós reconhecemos que é um programa que está sendo muito bem sucedido.
Mas, conjuntamente com o Bolsa Família, esse caminhar tem que ser acompanhado por outros programas, que eu acredito que não estão sendo desenvolvidos na mesma velocidade. Nós pensamos que, nos próximos anos, será necessário acelerar a execução de programas de acompanhamento do Bolsa Família.
ABr: Como, por exemplo, ações fiscalizatórias?
José Tubino: Não apenas ações fiscalizatórias. Eu diria que isso é parte do programa Bolsa Família. Eu estou falando das ações de desenvolvimento. Nós estamos envolvidos com alguns projetos do Ministério da Integração Nacional, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e com o próprio Ministério da Educação para inserir dentro do Programa de Alimentação Escolar um conteúdo educacional. Essas são ações que tomam mais tempo, porque são mais complexas. Essas ações são tão importantes como o Bolsa Família.
ABr: Técnicos do Banco Mundial costumam apontar que o caminho é reduzir a pobreza para combater a fome. O Fome Zero parte da premissa oposta, a de que, a partir de uma estratégia de segurança alimentar e de combate à fome, é possível combater a pobreza de forma mais eficiente. Qual é o ponto de vista da FAO com relação a isso?
José Tubino: Para a FAO, a fome é causa e conseqüência da pobreza. Não é nem um, nem outro. Tem que trabalhar os dois. É preciso se lutar contra a pobreza, mas não se pode lutar contra a pobreza com a população faminta. Porque, se a população não tem energia suficiente para trabalhar, não terá possibilidade de conseguir um bom emprego.
Uma pessoa desnutrida está em desvantagem terrível. O mesmo ocorre com uma criança que está desnutrida. Ela não tem possibilidade de se educar adequadamente. Pode-se ter problemas de educação e emprego, mas, se a população está desnutrida, ela não terá capacidade de ter acesso a esses serviços que são oferecidos. Portanto, deve-se trabalhar nas duas pontas.
ABr: E o que FAO pensa de algumas orientações de organismos internacionais sobre o fato de que se deveria "focalizar" programas sociais, e não pensar na alimentação como um direito universal?
José Tubino: Esse é um tema controverso. É fato que os direitos humanos são universais. Todas as pessoas têm direito porque ninguém está livre de nada. São direitos universais de qualidade de vida, da humanidade e não somente de grupos isolados.
É certo que os programas sociais localizam a população vulnerável, porque é a população que mais precisa. Isso não significa que, em algum momento, alguma pessoa que não faça parte de uma população vulnerável e precise de um apoio vá passar fome.
Eu estou falando particularmente dos idosos. Há idosos que não são de origem pobre, mas que, por algumas circunstâncias, poderiam estar passando fome. Nós consideramos que a universalidade dos direitos humanos é a base para falar do direito humano à alimentação. (continua...)