Para socióloga, país deve superar idéia de que pequenos precisam de assistencialismo

30/08/2005 - 14h35

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O Brasil ainda trata o apoio a pequenos empreendimentos como assistência social e precisa mudar essa mentalidade se quiser efetivamente trilhar o caminho do desenvolvimento, avalia a socióloga Tânia Zapata, especialista no tema. Ela lembra que as pequenas empresas correspondem hoje a 94% do tecido produtivo do país, enquanto as políticas públicas se concentram no apoio aos outros 6%, os grandes empreendimentos.

Tânia é consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e do Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano, organização com sede em Recife. Na última semana, ela esteve em Brasília para reunião do projeto de construção de uma política nacional de apoio ao desenvolvimento local, promovido pelo Instituto Cidadania, ong que criou o Fome Zero, em parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Leia a seguir os principais trechos de entrevista que ela concedeu à Agência Brasil na ocasião.

Agência Brasil - Por que é importante o apoio aos pequenos empreendimentos?

Tânia Zapata - Sozinhos, os grandes empreendimentos não são capazes de promover a inclusão social e a sustentabilidade do desenvolvimento. É necessário e fundamental para os nossos países em desenvolvimento o apoio às micro e pequenas empresas e à agricultura familiar, que são altamente empregadoras de mão-de-obra e são atores muito importantes no desenvolvimento econômico. Os pequenos não são importantes apenas como algo a que se deve dar um apoio, uma assistência.

Aqui no Brasil, se entende que a pequena empresa não é viável, e por conta disso se dá muito mais uma política assistencial de que de fomento produtivo. Nos países mais desenvolvidos, onde há mais eqüidade social, há sempre políticas públicas pertinentes e adequadas às pequenas e microempresas.

ABr - Os pequenos negócios têm dimensão relevante na nossa economia?

Tânia - Hoje, 94% do tecido empresarial brasileiro é formado por micro e pequenas empresas. Apenas 6% são grandes empresas. No entanto, as políticas públicas estão mais voltadas para esses 6%.

ABr - Não parece ser esse o senso comum. Na imprensa e no discurso político, vê-se quase sempre o destaque aos grandes empreendimentos. Como mudar isso?

Tânia - É importante que a sociedade comece a entender. No mundo globalizado, as pequenas empresas têm um papel importante. A forma de produzir hoje é flexível. Não há mais hoje, como no passado, toda a produção de uma grande empresa em uma só grande fábrica. Temos o que se chama de processo de acumulação flexível.

As fábricas foram para os territórios, e, dentro dos territórios, a produção também é fragmentada. Se faz parte da produção. Por exemplo, a Nike ou a Benetton. Elas hoje são marcas, a produção toda é feita em vários territórios, depois se coloca a marca. A empresa não produz. Quem produz são diversas pequenas empresas, espalhadas pelo mundo.

ABr - O que é preciso fazer para mudar essa realidade brasileira?

Tânia - O Brasil é um país continental e nós temos ainda essa mentalidade fordista, que é a produção em grande escala, a grande fábrica etc. Nesse sentido é que se achava que o desenvolvimento seria construído dessa forma. Hoje, isso cumpriu o seu papel.

Claro, existem determinadas atividades econômicas que necessitam de grandes investimentos, a serem feitos pela grande empresa. Mas isso não é suficiente para promover o desenvolvimento, a eqüidade, menos desequilíbrios e desigualdades regionais. É necessário também potencializar os ativos locais, as vocações e apoiar o tecido das pequenas e médias empresas com fomento produtivo adequado.

O que faz hoje a competitividade? A inovação e o conhecimento. Então, é preciso trazê-los ao tecido da micro e pequena empresa. Dessa forma, elas vão se inserir na economia de forma competitiva, vão poder gerar emprego e melhorar o problema da desigualdade.

ABr - A guerra fiscal, a disputa entre os estados na atração desses grandes projetos, é uma ameaça a essa mudança de mentalidade?

Tânia - Com certeza. É uma política predatória. A Ford foi para a Bahia, mas a que custo? US$ 80 mil o emprego. Nas estratégias de desenvolvimento local, apoiando a agricultura familiar, as pequenas empresas, podem-se gerar empregos por até US$ 2mil.

Isso tem que ser visto pelos que têm poder e constroem políticas públicas. Temos de mudar a mentalidade da sociedade. Nossa história foi construída em torno da grande propriedade, grandes investimentos, grandes infra-estruturas, muitas megalomanias que existem na cultura brasileira. É como se o pequeno fosse uma coisa meio exótica.

ABr - Como superar a guerra fiscal?

Tânia - Isso exige uma série de mudanças. Evidentemente que não há uma receita. Há uma necessidade de mudar a visão dos governadores, de mudar a visão do que é desenvolvimento regional. Por exemplo, o Nordeste. Não existe mais um nordeste, homogêneo. Existem vários nordestes. E você não pode mais dizer que o Sul é mais desenvolvido e o Nordeste é mais pobre, não. Existem regiões dinâmicas no Nordeste e também regiões menos dinâmicas no Sul. Há uma necessidade de aprender com experiências internacionais, o desenvolvimento regional hoje não é como no passado.