Érica Santana
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Neste segundo trecho da entrevista exclusiva que concedeu diretamente de Caracas à Agência Brasil, o diretor multinacional da Telesur, o jornalista Beto Almeida, afirma que a nova televisão será um meio de evitar a "sonegação de informação". E deixa bem claro que a imparcialidade não será um valor a ser perseguido pela emissora. "Nós somos independentes porque não temos vinculação com agentes interessados no lucro", afirma. Leia a entrevista.
ABr: Que linha editorial a Telesur adotará?
Beto Almeida: Não existe imparcialidade. As grandes mídias não são imparciais. Elas são favoráveis à defesa de programas econômicos neoliberais, defendem a continuidade da desnacionalização da economia, de planos econômicos que levaram a América Latina a viver essa situação de miséria. Isso não é imparcialidade. Nós tampouco somos imparciais. Somos independentes porque não temos vinculação com agentes interessados no lucro. Nós defendemos aquilo que está preconizado nas constituições dos países: a integração latino-americana.
ABr: Então no que a nova TV se diferencia do que fazem os outros veículos?
Beto Almeida: Esse jornalismo tem uma diferença. Por exemplo, hoje não se sabe que há duas semanas a Venezuela foi declarada, pela Unesco, território livre de analfabetismo. Essa notícia não teve destaque nas grandes mídias. Por que será? Não é por imparcialidade. Esse silêncio, essa sonegação de informação tem interesse em demonstrar que o que está acontecendo na Venezuela não deve servir de exemplo para outros povos. Da mesma forma que ninguém quer mostrar que a solução encontrada pela Argentina para a renegociação da sua dívida externa, que disse que só honraria 70% das suas dívidas. A grande mídia não atuou de forma imparcial. Ela disse que aquilo seria uma catástrofe. Um absurdo. Que a Argentina estava caminhando para o desastre. E não aconteceu nada disso. Ela foi muito bem-sucedida nessa renegociação da dívida. A economia da Argentina está se recuperando. Houve aumento de salários, das pensões dos aposentados. A indústria está tendo uma reanimação muito importante. As grandes mídias não quiseram e não querem dar destaque a essa recuperação porque na Argentina está se aplicando um programa diferente do que a grande mídia gostaria que fosse aplicado. Ele não tem nenhuma imparcialidade. Eles têm total parcialidade.
Nós vamos mostrar as histórias. O que está acontecendo. Vamos entrevistar pessoas que não têm espaço na grande mídia. Quando, por exemplo, saiu na mídia brasileira essa história sobre que foi Abreu e Lima? Nunca. Nós vamos contar essa história. Nós vamos mostrar quem foi Zumbi dos Palmares. Vamos dizer que os nossos heróis sonharam com a liberdade econômica há muitos séculos atrás. Quando Tiradentes já sonhava com a independência econômica. Esse sonho ainda permanece na necessidade para a população brasileira.
ABr: A Telesur tem sua base em três pilares: informar, formar e recrear. Como isso será aplicado na prática?
Beto Almeida: Vamos tomar o caso da informação, por exemplo. A grande mídia no Brasil recebeu uma verba publicitária tão grande para fazer a propaganda dos transgênicos que ela nunca pôde informar realmente o que acontece com a opção ou imposição das sementes transgênicas. O Brasil consegue vender a soja não transgênica, a soja limpa, que é produzida no Paraná, onde é proibida a plantação de soja transgênica com um preço muito melhor no mercado internacional que a soja geneticamente modificada. Uma vantagem comparativa que a multinacional Monsanto, que pagou grandes somas de publicidade para a grande mídia, não quer ver publicada. Ela quer ter o controle da produção agrícola brasileira através das sementes. Para transmitir essa informação é necessário ter independência. Nós vamos informar fatos que estão sendo sonegados.
ABr: E a questão da formação?
Beto Almeida: Vamos formar porque nós vamos dizer quem foi Bolívar, que foi Abreu e Lima, quem foi Zapata, quem foi Tupac Amaru, quem foi Martin Hierro. Todas as histórias e lendas da América Latina que são sufocadas para que as nossas crianças vejam apenas as histórias e lendas dos Estados Unidos e de outros países. Nós temos histórias de lendas e cultura de sobra que estão sendo destruídas e nós vamos tentar resgatar isso. Esse é um trabalho de formação.
ABr: E a recreação?
Beto Almeida: O trabalho de recreação é porque nós vamos tentar inventar uma outra narrativa televisiva. Por que a televisão tem que excluir a participação das crianças? Por que ela apenas considera a criança como consumidora? A criança só é interessante para a TV comercial quando ela é consumidora para comprar sapatos, bombons, refrigerante e alimentação que gera uma série de problemas de saúde. Nós não vamos fazer propaganda de remédios que não têm comprovação terapêutica, como faz a TV comercial. Nós não vamos induzir a população ao consumo excessivo ou à auto-medicação consumindo remédios que podem levar à intoxicação e a outros graves problemas. É um absurdo que se permita isso no Brasil. Por que? Porque as grandes redes, não apenas no Brasil, mas em muitos outros países a industria farmacêutica controla a publicidade das TVs comerciais. A Telesur não vai fazer isso. Nós vamos tentar encontrar uma narrativa que primeiro não tenha que ter problemas com limites impostos pelos anunciantes. Nós não temos anunciantes. Nós vamos discutir tantas outras coisas que não são colocadas pela TV comercial, que nós temos a liberdade de fazer essa criação e recriação e também uma linguagem que pode ser muito mais divertida, leve e audaciosa. A Telesur vai ser, nesse sentido, um laboratório de experiências para recriar uma linguagem, uma narrativa televisiva que seja mais leve. Que tenha as cores da América Latina. O barulho da América Latina. O ruído da América Latina. A música latino-americana que hoje é dificilmente encontrada na própria televisão que hoje dá prioridade muito grande para a música norte-americana. Nós vamos ter uma estética latino-americana; de cores latino-americanas, ruídos, fala, lugares e personagens latino-americano.