Entenda a crise política do Equador

24/04/2005 - 17h41

Brasília – Os protestos contra Lucio Gutiérrez se arrastam há alguns meses, desde que o ex-presidente adotou medidas consideradas ortodoxas e manifestou publicamente apoio à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), bloco de integração comercial defendido pelos Estados Unidos. A gota d’água foi a anulação de processos pela Suprema Corte do Equador contra o ex-presidente Abdalá Bucaram, destituído pelo Congresso em 1997, acusado de corrupção. Os juízes que anularam os processos foram indicados por Gutiérrez à Suprema Corte, e a decisão permitiu que Bucaram retornasse ao país após oito anos de asilo político no Panamá, o que provocou a ira da sociedade equatoriana.

Gutiérrez chegou a decretar estado de emergência em Quito em 15 de abril para conter os protestos, mas um dia depois teve que recuar da decisão diante da pressão popular. No mesmo dia, determinou a dissolução da Suprema Corte, mas a medida foi considerada como abuso de poder. O Congresso, no entanto, acabou aprovando a destituição dos 31 juízes da Corte. Com a intensificação dos protestos, Gutiérrez foi destituído no dia 20 pelo parlamento equatoriano por "abandono de cargo". O Congresso nomeou o vice-presidente Alfredo Palacio para o cargo. As Forças Armadas acataram a decisão do Legislativo e retiraram o apoio ao presidente destituído.

O coronel Lucio Gutiérrez se tornou conhecido no Equador ao apoiar os protestos contra Jamil Mahuad, presidente deposto por denúncias de corrupção e abuso de autoridade. Os segmentos que Gutiérrez apoiou durante as manifestações que resultaram na deposição de Muhad foram os mesmos que, depois, o elegeram presidente em 2002 - com 55% dos votos. Nos últimos meses, entretanto, uniram-se contra ele e conseguiram reunir forças para tirá-lo do poder. "O governo de Lucio Gutiérrez subiu ao poder com o apoio da Conaie, de todos os indígenas. Mas deu as costas porque não respeitou a proposta econômica da Conaie, o que tínhamos conversado e acordado", disse o diretor da Confederação, Manoel Castro. A Conaie chegou a publicar nota chamando-o de "traidor". Ao longo do governo de Gutiérrez, um dos ministros, que era indígena, renunciou ao cargo por não concordar com a maneira de governar do presidente.

O professor da Universidade Federal de Santa Maria (RS), Ricardo Seintefus, disse que a atual crise política no Equador deve-se ao fato de o país não ter conseguido atender algumas exigências fundamentais do povo. Seintefus lembrou que episódios como esse já foram registrados em vários países da América Latina e resultam da má administração política de autoridades do continente, da má gestão pública, da grande desigualdade social e do índice elevado de corrupção. O Brasil, lembra, também já viveu esta história, com o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992.

Lucio Gutiérrez foi o terceiro chefe de Estado em menos de dez anos a ser deposto no Equador. Além de Jamil Mahuad, que foi destituído em 2000, em 1997, o ex-presidente Abdalá Bucaram também foi deposto seis meses antes de terminar o mandato, depois de sofrer impeachment do Congresso.

Manoel de Castro disse que o Brasil não deveria ter concedido asilo político a Lucio Gutiérrez, uma vez que o ex-presidente pode estar envolvido em crimes comuns. De acordo com a convenção sobre asilo político da Organização dos Estados Americanos (OEA), o asilo pode ser concedido a pessoas que estejam sendo perseguidas por motivos ou delitos políticos – mas não por crimes comuns ou condenados por tribunais no país de origem. "Temos que olhar a parte ilegal. Gutiérrez é um perseguido político, e até aí o asilo é bem-vindo. Mas se concedem asilo a um assassino, a um irresponsável, isso gera um caos social. O presidente Gutiérrez não merece estar asilado dentro da Embaixada do Brasil, mas merece pagar pelos seus crimes na Justiça", disse Manoel de Castro.

Gutiérrez está sendo acusado pela população equatoriana de ter autorizado o endurecimento da ação policial contra manifestantes que pediam a sua saída nos últimos dias. Centenas de equatorianos ficaram feridos durante os confrontos com os policiais, e pelo menos uma morte foi registrada – a do fotógrafo equatoriano Julio Garcia. "Se o presidente ordena reprimir uma marcha pacífica com crianças, jovens e anciãos, é um irresponsável", afirmou o jornalista equatoriano PacoVelasco, da rádio Luna, que acompanhou as manifestações no país.

Durante entrevista coletiva em São Paulo, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, avaliou que a destituição do presidente equatoriano, Lucio Gutiérrez, foi inconstitucional. "Eu acredito que isto não está de acordo com o texto da Constituição. Na minha análise, e o que eu vou dizer agora não é para justificar, mas para contextualizar, existia uma situação de crescente fragilização e enfraquecimento da constitucionalidade no Equador. E isso não é para justificar, mas de alguma forma facilitou que isso acontecesse".

Ele disse também que o fato do Brasil conceder asilo político ao ex-presidente do equador não significa simpatia, preferência ou qualquer tipo de apoio. Ele destacou que se tem por objetivo não só proteger uma pessoa, mas também contribuir para a paz social do país.

Segundo o Ministério da Justiça, o Brasil abriga atualmente dois asilados políticos: o ex-presidente do Paraguai general Alfredo Stroessner, que vive em Brasília, e o ex-chefe da Polícia Secreta do Haiti coronel Albert Pierre, que está em São Paulo.

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