Especialistas discutem papel do Brasil na Organização Mundial do Comércio

31/01/2005 - 18h47

Fabiana Vezzali e André Deak
Enviados especiais

Porto Alegre - Rogério Mauro, integrante do MST; Dot Keet, economista sul-africana do Centro Alternativo de Informação e Desenvolvimento; o professor filipino Walden Bello. Fátima Mello, integrante da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip); o ministro representante da Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC), S. P. Shukla; o negociador do governo brasileiro na OMC, Flávio Damico – todos eles participaram de uma mesa de controvérsias no 5º Fórum Social Mundial, discutindo o papel do Brasil no organismo multilateral que regula o comércio entre as nações.

Em 2003, a cidade de Cancún, no México, recebeu 146 países para negociar prazos e critérios da agenda de liberalização do comércio, aprovada dois anos antes em Doha, capital do Catar. A rodada de Cancún foi, entretanto, interrompida quando o grupo de 20 países em desenvolvimento, chamado de G-20 e liderado pelo Brasil, bloqueou as negociações sem chegar a um acordo sobre os termos do comércio de produtos agrícolas. Quando o grupo formado pelos 90 países menos desenvolvidos do mundo abandonou a conferência pela recusa norte-americana e européia em alterar a declaração final – que beneficiava prioritariamente os países ricos –, o encontro fracassou definitivamente.

"Na época, os movimentos sociais viram a rodada de Cancún como um momento tático positivo. O G-20 então mudou a correlação de forças e impediu que um acordo muito injusto fosse assinado", analisa Fátima Melo, da Rebrip. Há, entretanto, um receio por parte de alguns especialistas e organizações. Até julho de 2005, deverá haver um encontro preparatório para a continuação das negociações interrompidas em Cancún. Para destravar esse processo, espera-se que alguns dos principais países em desenvolvimento, como Brasil e Índia, façam ofertas de liberalização nos seus setores de serviços (bancos, energia, telecomunicações). Nesse encontro, que já está sendo chamado de "pacote de julho", também poderão ser incluídas medidas de tratamento especial para as nações em desenvolvimento.

"O Brasil tem sido cooptado a legitimar um acordo ruim. O pacote de julho é um desastre para os países em desenvolvimento. Se olharmos o acordo de agricultura do ponto de vista do Brasil, é possível entender que houve avanços. Mas se olharmos todos os elementos, não se conclui que houve avanço algum para Sul", afirma o professor filipino Walden Bello. "Nós, dos países menos desenvolvidos, achamos que não ter um acordo é melhor do que ter um acordo ruim", conclui.

O representante brasileiro na OMC, que participava da mesa, contesta essa avaliação. Ele afirma que Brasil e Índia defenderão os interesses dos países em desenvolvimento. "Não creio que haja possibilidade de retorno nas negociações da OMC sobre os termos de investimento. Os temas de Cingapura (os termos da declaração final de Cancún que geraram a discórdia) devem se limitar à facilitação do comércio. O Brasil não vai hesitar em sair das negociações se achar o acordo insuficiente", disse Flavio Damico.

Os movimentos e as organizações sociais no Brasil e no mundo defendem basicamente duas posições em relação às negociações da OMC. "Uma parte acha que é bom viabilizar acordos favoráveis nesses organismos multilaterais. Outros acham que não há possibilidade na OMC, porque o pressuposto das negociações é sempre a liberalização, a geração de desigualdade e pobreza", explica Fátima Mello, da Rebrip. Essa segunda posição, por exemplo, é defendida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Rogério Mauro diz que os alimentos não podem ser classificados como serviços nos tratados comerciais. "Entendemos que a OMC é um jogo de cartas marcadas, dominado por alguns países que seguem os interesses de transnacionais."

Para o professor Walden Bello, "existe o mito de que a OMC é necessária para as relações comerciais. É preciso lembrar que antes da OMC os países já faziam trocas comerciais. De qualquer forma, não devemos colocar a escolha entre a OMC e o caos. A escolha não pode ser só entre regras ruins. Precisamos de mais espaços onde nossos interesses possam ser ouvidos".

Dot Keet, especialista em macroeconomia de países em desenvolvimento, defende que a OMC não pode ter tantos poderes. "Não podemos dizer para fechar a OMC amanhã. Precisamos de uma instituição internacional para regular o comércio, mas temos que limitar esse papel a um comércio muito restrito. Investimento e propriedade intelectual não pertencem à OMC". O Brasil, segundo ela, não deveria inserir grandes temas naquele espaço, mas fazer justamente o contrário: "Temos que reduzir seu papel. A agricultura, assim como a água, floresta, meio ambiente, têm que ser excluídas da OMC."

Keet alerta, ainda, para o perigo dos grupos formados pelos países do Sul, em defesa de seus interesses nas instituições como a OMC, repetirem as práticas dos países do Norte, o que ela chama de "sub-imperialismo". O ministro indiano Shukla defende os princípios de reciprocidade e igualdade nessas relações: "Não deve existir essa desigualdade entre o países em desenvolvimento."