Economista haitiano defende retirada das tropas de paz da ONU

31/01/2005 - 13h17

Aloisio Milani
Enviado especial

Porto Alegre – O economista e educador haitiano Camile Chalmers defende a retirada das tropas militares da força de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), a Minustah, por acreditar que a atual situação impede a reconstrução do país a partir da perspectiva dos seus próprios habitantes.

Chalmers é um dos principais articuladores da proposta dos movimentos sociais do Haiti para produzir um novo projeto de desenvolvimento. Trabalhou com lideranças comunitárias, comunidades eclesiais de base, movimentos camponeses e, assim como tantos outros líderes populares, foi preso e torturado pela ditadura militar que derrubou Aristide do poder no início da década de 90.

"O princípio básico da missão da ONU é garantir a autoridade e a soberania do povo. Mas creio que, para reconstruir o Haiti, deve-se partir da produção de um plano em que as forças sociais e políticas internas estejam de acordo. E só a partir disso fazer cooperação com outros países", defende em entrevista à Agência Brasil.

Segundo ele, não houve uma atuação efetiva da Minustah para realizar o desarmamento de gangues e grupos ilegais. Por isso, defende a saída dos soldados latino-americanos que integram a missão de paz da ONU. "Como o Brasil pode ajudar o projeto de atuação? Ajudar na criação de instrumentos políticos novos. Trocar seus 1.200 militares no Haiti por médicos, engenheiros florestais, educadores populares, especialistas em saúde pública e isso cria uma outra perspectiva".

Secretário-executivo da organização Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo, Chalmers diz que "é importante que as forças progressistas do Brasil entendam que é preciso sair da opção militar, porque ela não permite que se faça a reconstrução". O economista defende um novo pacto das forças políticas para definir prioridades para o país. Segundo ele, não haverá mudanças para um caminho independente sem essa medida.

Chalmers também pede a retirada das tropas militares da Minustah, força de paz da Organização das Nações Unidas que substituiu os soldados dos Estados Unidos, Chile, Canadá e França, presentes no auge da crise que derrubou o ex-presidente Jean Bertrand Aristide, em fevereiro do ano passado.

"A estabilidade do Haiti será fruto do diálogo entre as forças sociais e políticas do país e será produto de um projeto autônomo e soberano de desenvolvimento e a visão de futuro compartilhada com essas forças políticas e sociais. E o importante agora é criar esse ambiente para esse diálogo nacional sobre o desenvolvimento", disse.

Ao responder críticas de entidades que vinculavam a participação brasileira à política externa dos Estados Unidos, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, disse que o país ajuda a construir um novo paradigma para o Haiti. "Por que razão nós estaríamos seguindo a política dos EUA? Justamente nós que tivemos em todos os momentos cruciais nesses dois anos de governo, uma atitude soberana e firme, muitas vezes conflitando com a posição norte-americana", afirma.

Marco Aurélio classifica a atual situação do Haiti como a possibilidade de estabelecer uma solução multilateral daquela crise com participação de países como a Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, países da África e Ásia. "Se não fosse esse processo de estabilização que está sendo realizado lá sem vítimas, nós estaríamos numa situação muito semelhante àquela do Iraque. Sabemos que a presença da força de estabilização é uma presença transitória, provisória e, em grande parte, secundária. O problema fundamental do Haiti é a sua reconstrução econômica e social, que permite dar estabilização política", disse.