André Deak
Enviado especial
Porto Alegre - A pesquisadora sul-africana Dot Keet, do Centro Alternativo de Informações e Desenvolvimento, passou boa parte de sua vida estudando a economia dos países africanos. Hoje é uma das especialistas que trabalha com o grupo formado pelos 90 países mais pobres do mundo, muitos deles africanos, conhecido como G-90.
Keet esteve envolvida com os movimentos de independência de Angola e Moçambique, morou na Europa nos anos 80 e voltou à África do Sul para trabalhar com pesquisas macroeconômicas, estudando com maior cuidado as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Após participar de um debate no 5º Fórum Social Mundial, ela concedeu a seguinte entrevista:
Agência Brasil: Como avalia as vitórias do Brasil na OMC, como as que impedem que os Estados Unidos continuem com subsídios ao seu algodão?
Dot Keet: As vantagens dessa vitória foram boas apenas para as grandes empresas. O poder da OMC tem que ser esvaziado. Existem lá acordos escandalosos, como o Trips (Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual), por exemplo. Um país como o Brasil, que fabrica remédios contra a Aids, está proibido de vender para outros países no Sul, que precisam, simplesmente porque vai contra os direitos de grandes empresas farmacêuticas. Isso é escandaloso e todo mundo sabe. O acordo Trips serve apenas para defender o monopólio de ciência e tecnologia das grandes companhias. Já existe uma campanha internacional contra isso, temos que derrubar isso.
ABr: A senhora citou acordos "escandalosos". Quais são eles?
Keet: Outro é o GATS (Acordo Geral sobre Comércio de Bens e Serviços). Vai amarrar as mãos dos governos. Diz que, uma vez que se abram os nossos mercados para empresas norte-americanas e européias, não se pode mais regular esse mercado. Porque vai contra os direitos do comércio. Para evitar que isso se desenvolva, podemos fazer não só alianças horizontais, entre sindicatos, comunidades, povos indígenas, mas também com o povo do Norte, porque eles também estão sofrendo com privatizações.
ABr: Como vê a atitude brasileira na OMC?
Keet: Ficamos muito preocupados com o governo do Brasil por não ver essas questões. Só olha para agricultura – e isso nem é a agricultura de todo povo brasileiro, só o agronegócio, e muitos deles nem são brasileiros, são americanos.
ABr: Mas as vitórias do Brasil na OMC não abrem a possibilidade para outros países seguirem esse exemplo?
Keet: O Brasil conseguiu ganhar alguns casos na OMC, mas o Brasil é grande, tem recursos, tem legitimidade política, tem especialistas... São muito poucos os países que podem fazer isso. A maior parte do mundo está simplesmente sujeita a ameaças constantes. Digamos que um pequeno país como Zâmbia, por exemplo, chame os EUA para a OMC, e a OMC tome uma decisão a favor de Zâmbia. Então quer dizer que Zâmbia poderia aplicar sansões contra os EUA? Isso é brincadeira, é completamente falso.
ABr: Mas a postura brasileira de enfrentamento não trouxe nenhum benefício?
Keet: Todos eles do G-90, que são muito pequenos, ao saberem que Brasil, Índia, África do Sul e China estão enfrentando os grandes, isso lhes deu uma coragem enorme. Não para enfrentar, mas simplesmente para manter a posição deles. Psicologicamente, foi muito importante. Agora, Brasil e Índia fazendo compromissos e jogos é muito desanimador.
ABr: O que deveria ser feito da OMC?
Keet: O GATTS tem que ser cancelado. Só serve para as corporações. Não podemos dizer para fechar a OMC amanhã. Precisamos de uma instituição internacional para regular o comércio, mas temos que limitar esse papel a um comércio muito restrito. Investimento, propriedade intelectual não pertencem à OMC. Temos que reduzir seu papel. A agricultura, como a água, floresta, meio ambiente, tem que ser excluída. Outra coisa é que a OMC tem um poder muito maior do que qualquer outra instituição (talvez menos que o Conselho de Segurança da ONU). Ela pode aplicar sansões comerciais aos países. Temos que diminuir esse poder. Temos que tirar esse direito de um país bloquear as exportações sobre o outro.